Grandes empresas e fundos do exterior, como a francesa SaintGobain, a canadense Brookfield e a chinesa State Grid, aproveitam a crise para ampliar presença no Brasil.
Um seleto grupo de empresas está se valendo da crise para ir às compras. Dados da consultoria PwC comprovam que há apetite para aquisições, apesar de a economia ainda estar com o freio puxado. Até outubro, foram feitas 281 compras de empresas no Brasil, número 4% superior ao observado no mesmo período do ano passado, quando foram fechadas 270 operações. Empresas pouco endividadas aproveitam o cenário para ganhar musculatura e abocanhar as operações de concorrentes.
Segundo a PwC, a participação de estrangeiros é relevante. Do total de aquisições registradas até outubro, 214 envolvem capital estrangeiro, com destaque para empresas dos Estados Unidos, França e Reino Unido, que respondem por 49% das transações. De acordo com analistas, o movimento ainda deve se intensificar e ganhar fôlego no setor de varejo.
Um dos exemplos dessa expansão em série é o conglomerado francês Saint-Gobain — que atua no setor de material de construção, com produtos que vão desde tubulações para água e esgoto, telhas, vidros, entre outros, e que completará 80 anos no Brasil em 2017. O grupo está prestes a fechar a compra de uma rede de varejo de materiais de construção, a Tumelero, com 29 lojas no Rio Grande do Sul, que deve encorpar a rede de 41 lojas da Telhanorte, braço do SaintGobain no setor. A compra será a quinta operação realizada somente neste ano. O negócio depende de aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
— Até 2014, investíamos em capacidade. Agora, em produtividade e inovação. Com essas aquisições, além de capacidade, ganhamos market share. Essa é uma crise muito séria, mas, assim mesmo, acreditamos no Brasil — diz Thierry Fournier, presidente da Saint-Gobain na América do Sul.
VAREJO DEVE TER NOVA ONDA DE FUSÕES
Com fama de “papa-tudo” na infraestrutura, a gestora de ativos canadense Brookfield arrematou recentemente 70% da Odebrecht Ambiental, do setor de saneamento, por cerca de R$ 2,5 bilhões, e a divisão de gasodutos do Sudeste da Petrobras por cerca de R$ 16,6 bilhões. As transações colocam os canadenses entre os grandes players dos setores de energia e saneamento.
O Grupo Ultra, que atua na distribuição de combustíveis, mostrou vigor ao comprar a rede de postos Ale por R$ 2,17 bilhões por meio da Ipiranga. Neste mês, arrematou a Liquigás, da Petrobras, por R$ 2,8 bilhões. “A transação permitirá que a estratégia de diferenciação e a excelência operacional da Ultragaz, além da sua capacidade de investimento, combinados com os ativos e com a qualidade da rede de revendas da Liquigás, proporcionem importantes ganhos de eficiência”, disse a empresa, em comunicado, no qual anunciava a aquisição.
No setor de energia elétrica, os chineses foram os que fizeram os lances mais ousados e bilionários. Com acesso a financiamentos baratos e estímulo do governo chinês para projetos no exterior, as empresas aproveitam a vantagem do câmbio, ignoram a crise e fazem planos de longo prazo. Como faz a State Grid, que depois de integrar o consórcio vencedor da concessão do linhão de Belo Monte, em leilão no início do ano, desembolsou R$ 5,85 bilhões, em junho, por 23% do capital da CPFL Energia, que pertenciam à construtora Camargo Corrêa. E, para analistas, os chineses não param aí: o grupo estaria negociando a compra dos ativos da espanhola Abengoa, que está em recuperação judicial e paralisou a construção de projetos de transmissão. Procurada, a State Grid não se pronunciou.
Também dos chineses da China Three Gorges (CTG) veio um lance de R$ 3,8 bilhões por 100% dos ativos brasileiros da americana Duke Energy, em outubro. A compra fez da CTG a maior geradora privada de energia do Brasil. “Nossa decisão de entrar no mercado brasileiro foi baseada em uma visão de longo prazo do potencial do país para projetos de geração em grande escala e já estamos comprometidos com o país em concessões para os próximos 30 anos”, diz a empresa, em nota.
No setor tecnologia, o grupo brasileiro Stefanini, cuja receita este ano chega a R$ 3 bilhões, também segue investindo em fusões no país para ampliar seu portfólio de serviços, estratégia que repete no exterior na busca de novos mercados. Este ano foram três negócios, incluindo uma compra na Colômbia e uma joint venture em Israel. Em 2015, tinham sido seis movimentações, entre joint ventures e fusões.
— No Brasil, usamos capital próprio para os negócios e, no exterior, tomamos empréstimos, já que o juro é mais baixo — diz Marco Stefanini, presidente da empresa.
Rogério Gollo, sócio da PwC Brasil, explica que a crise econômica brasileira abriu uma grande janela de oportunidade para empresas que têm liquidez, que não estão endividadas e querem ampliar sua participação no mercado.
— A crise reduz o valor dos ativos porque os lucros e o valor de mercado das empresas caem. Esta é a janela de oportunidade tanto para os que têm visão de curto prazo, que são os fundos de investimentos, como para quem pensa no longo prazo, que são as empresas — explicou o especialista em fusões e aquisições.
Ele cita que grandes negócios nos setores de energia elétrica, gás e açúcar e álcool são bons exemplos de vendas que só ocorreram este ano por causa da crise, que afetou as empresas desses ramos e tiveram de se desfazer de ativos por preços mais baixos. Segundo Gollo, o setor varejista é o próximo em que haverá uma onda de aquisições, já no próximo ano. O endividamento da população e a retração do crédito, explica, atingiram em cheio o setor de varejo. Para se manter no mercado, muitas empresas terão de recorrer a fusões, que dão maior poder de barganha na negociação com fornecedores e ampliam a presença no mercado.
No segmento educacional, Gollo diz que as incertezas sobre o Fies (programa do governo de financiamento educacional) foi o fator que impulsionou aquisições este ano. Caso da gigante do setor educacional Kroton, que, em julho, comprou a carioca Estácio em operação estimada em R$ 5,5 bilhões. Segundo um executivo da Kroton, a transação era vantajosa por fatores como o preço mais baixo do ativo em razão da crise, o volume menor de recursos do Fies e a possibilidade de aumentar market share.
Marcos Boscolo, sócio da KPMG, destaca ainda o setor de saúde. Entre os principais negócios concluídos neste ano está a venda do Hospital Samaritano, de São Paulo, à rede Amil. O preço para a aquisição da unidade hospitalar foi de R$ 1,3 bilhão.
— A Amil fez essa compra para reforçar sua posição no mercado paulista — afirmou. O Globo - Leia mais em abinee 24/11/2016
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