A maioria das farmacêuticas globais está enxugando suas operações diante da forte concorrência das drogas genéricas, mas a alemã Merck KGaA vem contrariando a tendência ao se expandir fora do setor de saúde.
A empresa de remédios mais antiga do mundo está ampliando duas unidades não relacionadas ao negócio principal. Uma fabrica produtos químicos especiais, como cristais líquidos usados em telas de aparelhos eletrônicos. A outra produz equipamentos de laboratório para a indústria de biotecnologia.
A empresa, informalmente chamada de "a Merck alemã", em oposição à sua rival americana de mesmo nome, afirma que a estratégia ajuda a administrar os riscos do negócio farmacêutico e a manteve lucrativa nos últimos anos, apesar dos fracassos nos testes clínicos de novos remédios para pancreatite e câncer cerebral. A diversificação pode até permitir que a empresa acabe vendendo a divisão farmacêutica se as novas drogas em desenvolvimento não forem adiante, dizem investidores e analistas.
A proteção contra riscos é parte da cultura orgulhosamente sóbria da empresa. "Para uma companhia de quase 350 anos que tem controle familiar, a aversão ao risco tem que estar no DNA", disse o diretor-presidente Stefan Oschmann, em entrevista ao The Wall Street Journal. "Esta empresa já sobreviveu a guerras e catástrofes. Então, somos avessos ao risco quando se trata de grandes decisões."
A família Merck, através de sua empresa E. Merck KG, possui 70% da farmacêutica e define a orientação geral da firma. Os 30% restantes são negociados na bolsa de Frankfurt. A cotação das ações já subiu 10,1% neste ano, para 95,14 euros (US$ 107,31).
A empresa é um "negócio diversificado, orientado para o longo prazo e resistente", diz Peter Spengler, analista do banco alemão DZ Bank AG. Ela é líder de mercado em todas as áreas que atua "exceto remédios", diz ele.
Oschmann, que tem 59 anos, assumiu a empresa em maio, depois de passar cinco anos no conselho executivo. Antes, ele havia trabalhado por 20 anos na rival homônima americana Merck Sharp & Dohme.
As duas Mercks remontam a 1668, quando Friedrich Jacob Merck comprou sua primeira farmácia em Darmstadt, pequena cidade perto de Frankfurt. Em 1890, seus descendentes haviam construído uma grande operação de remédios e produtos químicos. Ela se expandiu no mercado americano ao formar uma subsidiária nos Estados Unidos.
Durante a Primeira Guerra Mundial, o governo dos EUA assumiu o controle da Merck americana, forçando a cisão da empresa. A separação e o início da Segunda Guerra Mundial acabaram alijando a Merck alemã do mercado americano por décadas.
A empresa americana, a MSD, cresceu e se tornou bem maior que a alemã. A receita da Merck KGaA em 2015 foi de 12,84 bilhões de euros (US$ 14,31 bilhões), ante US$ 39,5 bilhões da MSD. Mas o grupo alemão conquistou o direito de usar o nome no mundo todo com exceção dos EUA e Canadá, onde a MSD ainda se chama Merck & Co.
Oschmann e seu antecessor tornaram os EUA uma prioridade para a Merck alemã, que opera no país com o nome EMD Group.
"Se você voltar dez anos no tempo, quase não tínhamos negócios nos EUA", disse o executivo. Agora, a empresa tem cerca de 10 mil empregados nos EUA, pouco menos que os cerca de 12 mil que tem na Alemanha, disse. Mais de 25% da receita do último ano veio da América do Norte.
A mais recente - e a maior - investida da Merck nos EUA aconteceu no ano passado, com a aquisição, por US$ 17 bilhões, da fabricante de equipamentos de laboratório Sigma-Aldrich Corp., agora parte da divisão de Ciência da Vida da Merck. A compra também foi o maior passo da empresa fora de suas raízes farmacêuticas. A Merck estima que o negócio gere sinergias de 260 milhões de euros até 2018.
Oschmann disse que a Merck pode se beneficiar da estratégia inteligente da Sigma-Aldrich na internet. "A Sigma Aldrich é uma empresa que está muito avançada em relação a nós quando se trata de comércio eletrônico e modelos de negócios digitais", disse. Eles "fizeram um tremendo trabalho na cadeia de suprimento e distribuição."
A integração da Sigma-Aldrich elevou as vendas da unidade Ciências da Vida em quase 80% no trimestre encerrado em junho, para 1,4 bilhão de euros, divulgou a empresa neste mês.
Em 2014, a Merck já havia pago 1,9 bilhão de euros pela britânica AZ Electronic Materials, fabricante de produtos químicos especiais com elevado grau de pureza para o setor de eletrônicos. A aquisição ampliou o portfólio de produtos químicos especiais da Merck, a maior fornecedora global de cristais líquidos para a produção de telas usadas em televisores, smartphones e tablets.
Mesmo com a firma se afastando dos remédios, Oschmann vê chances de ela colocar no mercado drogas possivelmente importantes para o combate ao câncer - inclusive uma desenvolvida em parceria com a Pfizer Inc.
No fim de 2014, a Merck se uniu à rival americana para desenvolver e comercializar um tratamento para câncer chamado anticorpo anti-PD-L1. Dados do estágio final de testes de algumas aplicações do tratamento devem se tornar disponíveis em 2017. (Concorrentes como MSD, Roche Holding AG, Bristol-Myers Squibb e Astra Zeneca PLC também vêm desenvolvendo ativamente drogas semelhantes.)
"Acreditamos que temos uma série significativa de drogas em desenvolvimento. Achamos que os mercados de capital ainda não entenderam isso totalmente", disse Oschmann. "Mas os mercados têm uma atitude de 'ver para crer' e acho que vão reagir quando virem os dados."
Markus Manns, gestor de portfólio da Union Investment, acionista da Merck que faz parte da Union Asset Management Holding AG, diz que antes a empresa era vista como tendo poucos novos produtos para lançamento no futuro, "mas isso mudou drasticamente no último ano". Se, porém, os dados do anti-PD-L1 não forem bons, vender a divisão farmacêutica "deve ser uma opção", diz Manns.
Oschmann não quis especular sobre o futuro da divisão. Ele disse que a "Merck tem uma história de sempre avaliar muito ativamente nosso portfólio". Fonte: Valor Econômico Autor: Christopher Alessi, The Wall Street Journal Leia mais em tudofarma 26/08/2016
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