O cenário para os fundos multimercados mudou radicalmente do primeiro para o segundo semestre. Os gestores, que no ano passado privilegiaram apostas pessimistas para proporcionar bons resultados aos seus cotistas, nessa transição, com as diretrizes macroeconômicas apontando para uma política fiscal mais austera, controle da inflação e taxa Selic em queda mais adiante, passaram a compor suas estratégias com o "kit Brasil" - com posições em juros nominais ou reais, ações e moeda brasileira. Olhando à frente, a alocação mais coincidente é em renda fixa. Com rentabilidade positiva, a expectativa é que as carteiras também recuperem a captação ao longo do tempo.
Até junho, os fundos de hedge brasileiros tinham atraído R$ 2,8 bilhões, mas no levantamento até 18 de julho, a conta já subia para R$ 5,3 bilhões.
No ano passado, essas carteiras tiveram resgates líquidos de R$ 16,1 bilhões, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Entre janeiro e junho, os multimercados macro e multimercados juros e moedas foram destaques, com retorno médio de 8,83% e 7,52%, respectivamente.
Com a percepção de que havia variáveis assimétricas no mercado, com exagero no componente de alimentos nos cálculos de inflação, por exemplo, a Mauá Capital passou a contemplar um realinhamento nos preços de certos ativos. Compôs a estratégia sob a hipótese de que o ciclo intenso de alta de juros previsto pela maioria no primeiro semestre não se concretizaria, diante de uma economia deprimida. Ganhou assim com a inflação implícita, juros futuros e o cupom cambial (que representa o juro em dólar). Tal combinação resultou em ganhos de quase 16% para o fundo Mauá Macro no ano.
"Estávamos com uma visão diferente à do consenso no começo do ano. Os mercados tinham reagido tão fortemente ao ambiente negativo [local e externo] que um dos nossos sócios chegou a dizer que estava fácil ser negativo com o Brasil, mas olhando os preços dos ativos era difícil tomar posições negativas", conta o ex-Banco Central Luiz Fernando Figueiredo, sócio da gestora. "No final, o BC acabou não subindo a Selic, foi uma surpresa também para nós, mas havia um prêmio de risco grande e nos aproveitamos disso." Olhando adiante, Figueiredo mantém um prognóstico positivo para o Brasil, com a economia real desacelerando a queda e sutil melhora dos índices de confiança. Hoje o portfólio não está concentrado em nada, mas ainda há um bloco de ativos relacionados a juros prefixados, pós, real e cupom cambial.
Ele vê prêmio na inflação implícita mais longa, com taxas perto de 6%.
"Nesse nível, a inflação está no limiar de uma quebra do regime [de metas de inflação] que temos hoje", diz, referindo-se à meta de 4,5% perseguida pelo BC.
Sob a expectativa de que alguns eventos destravem o fluxo externo para o Brasil e tragam uma enxurrada de recursos para o país, os multimercados da Santander Asset Management estão bem aplicados em juros nominais, em contratos de DI longos, diz Murilo Robotton, que deixou a tesouraria do Safra no início do ano para montar dois multimercados macro na gestora.
"8% de juro real, não vai ficar assim", diz. "É um nível que não existe em nenhum lugar do mundo", diz, referindo-se às taxas negativas em economias desenvolvidas e levando em conta uma Selic projetada em 12,5%, ante os 14,25% atuais, e inflação entre 4% e 4,5%. "Quanto mais o BC segurar [para cortar], mais conforto ficar aplicado em prazos mais longos. O consenso do mercado está nas NTN-B, mas o prêmio maior está nas taxas nominais." A conclusão do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff pelo Senado e a votação de propostas como o teto para os gastos públicos e a renegociação de dívidas dos Estados no Congresso compõem a base para um possível rali dos ativos brasileiros, espera Robotton. A cena externa dá a sua contribuição pela postergação do aumento de juros pelo Fed (o BC americano). Apesar de considerar que a bolsa brasileira tem espaço extra para ganhos, a alocação está menor no Ibovespa e também há cautela com a bolsa americana. Para proteger o portfólio de posições mais concentradas em Brasil, há uma porção comprada em dólar contra o real.
Embora o ambiente macroeconômico se mostre sensivelmente melhor agora em comparação ao que se via no início do ano, o chamado kit Brasil ficou mais arriscado, pontua Marco Aurélio Freire, gestor dos multimercados com estratégia macro da Kinea, braço alternativo de investimentos do Itaú. Para ele, os preços dos ativos brasileiros já refletiram a inversão daquela trajetória fiscal que embutia uma possível insolvência e um cenário externo menos benigno.
"É inegável que o cenário econômico é melhor, mas a oportunidade para ganhar dinheiro ficou mais difícil do que era em janeiro", diz Freire. No Brasil, cita, os juros longos começaram 2016 na faixa dos 16%, com inflação anual estimada em 9,5% e o câmbio na casa dos R$ 4,20, e hoje já se vê o dólar a R$ 3,28 e o IPCA projetado em 5,5%. "O mercado já precificou um risco país menor, a descompressão fiscal, algumas reformas, agora falta ter um juro real mais baixo porque senão o país não aguenta", diz Freire. É essa a dinâmica que espera para os próximos seis, sete meses, com o juro real caindo da casa dos 6%, 6,5% para um intervalo entre 2% e 3% e que ajudaria na desalavancagem das empresas e famílias. Por isso, a alocação mais estrutural está em Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B, atreladas à inflação) com vencimentos em 2022 e 2023, que representam metade do portfólio do Flagship Multimercado, a carteira mais nova da casa e que no ano computa ganhos de 15,3% até junho.
Desde o fim de 2015, a Claritas calculava uma probabilidade de o processo de impeachment avançar maior do que era consenso e com isso capturou ganhos em renda fixa, bolsa e moedas, conta Damont Carvalho, gestor de fundos com estratégia macro da gestora. Com a expectativa de que o Banco Central de Ilan Goldfajn promova um corte de juro de pelo menos 2,25 pontos percentuais na Selic quando o ciclo de afrouxamento monetário começar, talvez a partir de outubro, ele considera que pode obter ganhos de capital em posições de renda fixa mais longa, como as NTN-B com resgate de 2030 para frente. A parcela em juro nominal que rendeu bons frutos na primeira metade do ano ficou mais leve.
No curto prazo, Damont vislumbra a chance de o real se valorizar mais. Ele espera ingressos de recursos em busca de retornos atrativos no Brasil se Michel Temer for confirmado na presidência da República e levar adiante os prometidos ajustes fiscais. Ofertas públicas de ações e entradas provenientes do programa de anistia de recursos de brasileiros no exterior também podem engordar esse capital novo para o país. "Mas o BC está atento a esses fluxos excepcionais, vai atuar para suavizar tais movimentos." A AZ Quest também considera haver uma apreciação adicional do real no horizonte, com o dólar caindo a R$ 3,20 ou até R$ 3,00, em meio a inversões externas para emergentes, após a votação pela saída do Reino Unido da União Europeia ter adiado o aumento de juros pelo Fed, diz o sócio Andre Muller. Mas as oportunidades em juros são mais claras, pontua Sergio Luiz da Silva, que cuida das estratégias de gestão da casa.
Alocações em contratos de juros entre 2019 e 2021 e as NTN-Bs entre 2020 e 2030 têm sido as preferências. "Por que juros? Porque tem um árbitro que está do seu lado, caso tudo aconteça bem. No câmbio, por mais que vá ter fluxo, por mais que destrave o programa de concessões, ainda há mais de US$ 50 bilhões em swaps que precisam ser desfeitos", diz, referindo-se à proteção dada ao mercado pelo BC nos últimos anos e que se desmontada teria o efeito de uma compra futura de dólares. - Valor Econômico Leia mais em portal.newsnet 27/07/2016
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