O discurso dominante do Mobile World Congress em cima da Internet das Coisas (IoT) não é por acaso. Mais do que qualquer outra coisa, essa é a forma com que as empresas de telecomunicações estão enxergando a sua volta ao protagonismo em termos de serviços e inovação no cenário da Internet dos próximos anos.
Quando a Internet como a conhecemos chegou ao grande público, há pouco mais de 20 anos, era uma terra aberta a desbravadores. Apesar do imenso potencial da tecnologia, poucos tinham clareza sobre o que poderia ser feito com aquilo. Do ponto de vista das empresas de telecomunicações, aquilo era apenas mais uma rede de transmissão de dados como tantas outras redes e protocolos existentes. A Internet era até mesmo desprezada, por usar um protocolo pouco eficiente em termos de qualidade de serviços e controle. Poucas empresas de telecom viam naquilo que estava surgindo uma oportunidade real de negócios. As apostas das teles à época eram em redes de dados dedicadas para aplicações de vídeo, educação à distância, aplicações bancárias, mas poucos no mundo de telecom apostavam que com uma rede descentralizada, sem controle e sem qualidade de serviço poderia surgir o que vemos hoje. Resultado: os protagonistas da economia que surgiu pela Internet são empresas como Google, Facebook e Netflix, e não as empresas de telecomunicações.
O movimento que está acontecendo agora em torno da Internet das Coisas parece ser o prenúncio de um salto tão ou mais relevante na forma como interagiremos nos próximos 20 anos. A promessa de que as coisas, e não apenas as pessoas, estarão conectadas e trocarão informação entre si abre o potencial para uma infinidade de aplicações. Qual a diferença entre hoje e duas décadas atrás? Desta vez, as empresas de telecomunicações querem estar no centro do processo, e têm bons motivos para acreditar que conseguirão.
A primeira razão é tecnológica: tudo passa pelo provimento de uma infraestrutura de comunicação ubíqua. Claro que outros setores com grande capilaridade poderão entrar nisso, como empresas de energia, as próprias empresas de Internet (com seus balões e drones de comunicação) ou o setor público, com redes compartilhadas. Mas a lógica favorece as empresas de telecomunicações, até porque não é simples assegurar que milhões de dispositivos estejam conectados ao mesmo tempo a uma infraestrutura. É uma missão bem mais complicada do que era instalar modems dial-up às redes de telefonia em 1994.
Para que a comunicação entre coisas aconteça de forma eficiente, é preciso também integrar um conjunto grande de soluções de TI. São milhares de sistemas que precisam conversar entre si, grandes volumes de dados a serem processados e analisados, decisões lógicas que precisam ser tomadas em tempo real. As empresas de Internet fazem isso hoje melhor do que as empresas de telecomunicações, e por isso oferecem serviços mais inovadores. Mas as empresas de telecomunicações confiam que terão vantagem por poderem coletar informações da própria rede, com precisão cirúrgica sobre o status, quantos são e onde estão os dispositivos conectados, dado crítico para o desenvolvimento das aplicações. E confiam também que, ao poderem administrar a qualidade das conexões, poderão agregar mais valor aos serviços. Essa é, aliás, a briga de fundo por trás das disputas de neutralidade.
Por fim, existe o papel agregador entre rede e o hardware que vai na ponta da comunicação dos usuários. A Internet das Coisas é, na verdade, a Internet dos sensores, a Internet dos pequenos módulos de comunicação que serão embarcados em qualquer tipo de objeto. Gerenciar esse conjunto de peças também é central nessa disputa. As gigantes de Internet já fizeram investimentos importantes em empresas de automação doméstica e fabricantes de sensores estão trabalhando no desenvolvimento de robôs e veículos autônomos, tudo numa tentativa de dominar esse território. As teles ainda estão lentas nessa investida e, apesar de oferecerem múltiplos serviços, estão longe do universo do hardware doméstico.
Diante da complexidade do ambiente que se avizinha com a Internet das Coisas, é bem provável que não haja um único setor dominante, e que grandes empresas de telecomunicações acabem partilhando espaço com grandes empresas de aplicações de Internet e grandes indústrias (de carros, eletroeletrônicos, roupas etc). O que é bem diferente do que se via no começo da Internet atual, quando aquela era uma terra de ninguém, e uma empresa que nem pensava em existir, como o Google, poderia se tornar a maior empresa em valor de mercado do mundo. O desenvolvimento desta nova onda da Internet já nasce orientada aos negócios e dependente da capacidade de grandes empresas, e as teles não querem cometer o mesmo erro do passado e subestimar as mudanças no horizonte. Samuel Possebon, de Barcelona Leia mais em mobiletime 26/02/2016
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