23 setembro 2015

Brasil esvazia carteira de empresas globais e preocupa mais que a China

Quando muitas multinacionais fecharem o balanço financeiro do terceiro trimestre nas próximas semanas, seus departamentos de finanças devem enfrentar uma dura realidade: as operações de muitas delas no Brasil terão os piores resultados em mais de dez anos.

A fabricante de dispositivos médicos Medtronic PLC está mais preocupada com a turbulência política e econômica do Brasil, a oitava maior economia mundial, que com a piora da desaceleração chinesa. Já a empresa química FMC Corp. está reduzindo "agressivamente" suas operações brasileiras.

A fabricante alemã de peças automotivas Continental AG afirma que a queda nas vendas de carros, os impostos onerosos e um crescente fardo regulatório tornam os negócios mais difíceis em uma região que é grande demais para a empresa considerar uma saída.

"Nós reconhecemos que o custo de fazer negócios no Brasil deve permanecer elevado muito provavelmente além do período de 2015 e 2016", disse o diretor financeiro da FMC, Paul Graves, aos investidores em uma teleconferência este mês.

A classificação do crédito do Brasil, que se manteve no grau de investimento por sete anos, está novamente de volta ao território de alto risco (ou "junk"). Além disso, o real está historicamente fraco, a economia está em recessão e a inflação elevada.

Em muitos casos, isso significa que o dinheiro que as empresas investiram no que costumava ser um mercado emergente altamente desejado não está mais dando retorno. A pressão em todas as frentes está levando as empresas a repensarem suas operações.

Para Daniel Blumen, sócio fundador da consultoria Treasury Alliance Group LLC, saber se há um número suficiente de brasileiros que se lembram da hiperinflação nas décadas de 80 e início de 90 "dispostos a voltar a ela" deve determinar a resposta do governo para a atual crise econômica do país.

O orçamento federal de 2016, que foi anunciado este mês e precisa de aprovação do Congresso, pede a ressurreição do polêmico imposto sobre transações financeiras, a CPMF. Ele seria usado para reduzir o déficit orçamentário do país ao impor uma tarifa de 0,2% sobre transações como câmbio e transferências.

O governo espera arrecadar cerca de US$ 8,4 bilhões por ano com o imposto, que acompanha o fim de uma série de subsídios fiscais corporativos. O ministro da Fazenda do Brasil, Joaquim Levy, diz que a CPMF será temporária e ficará em vigor no máximo por quatro anos.

A FMC informou que vem reduzindo sua receita no Brasil ao excluir clientes menos lucrativos e reduzir as operações para cortar custos. A empresa aumentou seus esforços para cobrar dívidas, especialmente aquelas em reais, e já baixou para 35% do total os recebíveis na moeda brasileira. Nos primeiros oito meses do ano, o dinheiro que a empresa arrecadou dessa forma foi equivalente a 150% das vendas.

Os olhos de muitos executivos estão treinados para avaliar a resistência econômica da China, mas os problemas brasileiros são comparáveis ou até mais preocupantes para os negócios.

"Se existe um país que eu diria que está me deixando nervoso, não é a China, provavelmente é o Brasil", diz o diretor financeiro da Medtronic, Gary Ellis.

De fato, mais de 20% das empresas do S&P 500 citaram o desempenho do Brasil durante suas teleconferências mais recentes.

O Brasil é o maior mercado da Avon Products Inc., responsável por quase US$ 1,9 bilhão das vendas da empresa de cosméticos no ano passado, quase o dobro de suas vendas nos Estados Unidos. Para a fabricante de tintas Sherwin­Williams Co., o país é o segundo maior mercado em volume depois dos EUA.

Além dos problemas econômicos do Brasil, o escândalo de corrupção na gigante estatal Petróleo Brasileiro SA, a Petrobras, elevou a vigilância do governo e dos bancos sobre qualquer transação financeira que retire dinheiro do país.

A Sherwin­Williams está "vendo o escândalo da Petrobras se espalhando por todo o país", diz o diretor financeiro Sean Hennessy, e esses problemas brasileiros estão prejudicando as operações da empresa na Ásia, porque a Petrobras usa revestimentos da Sherwin­Williams produzidos lá em alguns de seus produtos.

Para certas empresas, simplesmente investir o excesso de lucro do Brasil em outro lugar do mundo é um problema. "Você não pode mais tirar o dinheiro do Brasil", diz o diretor financeiro da Continental, Wolfgang Schäfer. As empresas têm que pagar impostos sobre o dinheiro que sai, diz ele, e os bancos e os reguladores exigem muita documentação para justificar o motivo do dinheiro deixar o país.

Apesar de todas as dificuldades, o Brasil, como a China, ainda oferece grandes oportunidades de crescimento, e muitas empresas se sentem compelidas a ficar. "É um mercado que está produzindo cerca de três milhões de carros [por ano] no momento", diz Schäfer. "Nós temos que estar lá, então, no fim, nós não estamos investindo menos, mas [esse clima] torna os negócios mais difíceis." É certo que nem todas as empresas foram afetadas. A seguradora Prudential Financial Inc. informou que, fora do Japão, onde ela também está crescendo, o aumento de US$ 14 milhões no segundo trimestre em relação a um ano antes nas vendas de seguro de vida veio basicamente do Brasil. A empresa de saúde animal Zoetis Inc. também informou que o fornecimento para o setor de gado bovino do Brasil foi forte no trimestre encerrado em junho.

Já empresas como a abatida Avon têm poucas opções a não ser permanecer. Em uma teleconferência de resultados em junho, o diretor financeiro da Avon, James Scully, disse que a receita do segundo trimestre da empresa no Brasil ­ antes dos efeitos negativos da conversão cambial ­ caiu 6% ante o mesmo período de 2014. O país elevou seus impostos sobre os cosméticos em junho, o que foi responsável por 70% da queda.

O Brasil é conhecido como uma jurisdição fiscal severa. O Banco Mundial informa que leva para os preparadores de impostos corporativos brasileiros 2.600 horas todos os anos para navegar por suas exigências, ante 261 horas na China e 175 tanto nos EUA quanto na média das grandes economias dos países desenvolvidos. Em um estudo sobre competitividade global do Fórum Econômico Mundial, o Brasil está em 139o lugar entre os 143 países na questão de efetividade das políticas fiscais de incentivo a investimentos.

"O Brasil está obviamente desafiador", diz uma porta­voz da Avon, "mas estamos comprometidos com o longo prazo". A Avon vai fornecer mais detalhes do desempenho no Brasil na divulgação dos resultados trimestrais em outubro.

23/09/2015 - Valor Econômico | Leia mais em portalnewsnet 23/09/2015

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