16 abril 2015

Valor justo, saída para a crise de confiança do mercado

Paira hoje sobre o mercado financeiro internacional uma grande dúvida quanto à eficiência dos sistemas de governança corporativa nas companhias brasileiras, tendo em vista a devassa a que vem sendo submetida a nossa maior empresa.

Para se ter uma ideia deste universo e da dimensão do problema, as companhias de capital aberto acumulam perdas de 6% em seu valor de mercado desde dezembro de 2012. Pelo índice Ibovespa, tais perdas chegam a 13%.

Se somarmos a recente quebra de confiança na governança ao desempenho econômico, este cenário tende a piorar, a menos que haja um esforço coordenado para restaurar a credibilidade nestes ativos. A implementação de um simples roteiro com medidas práticas, direcionado primeiramente aos acionistas de nossas empresas de capital aberto, contribuiria muito para a restauração da confiança do mercado. Esta diretriz também poderia ser utilizada por outros tipos de investidores, como cotistas de fundos de investimento de longo prazo e detentores de títulos de dívida (debêntures).

O roteiro sugerido pode ser dividido em três grupos de atividades: a aplicação de testes de recuperabilidade de ativos (ou testes de "impairment"), a contratação de opiniões de especialistas independentes (conhecidas como "Fairness Opinions") a respeito de contratos de longo prazo e a revisão do modelo de governança corporativa.

Uma opinião independente sobre a recuperabilidade dos investimentos será muito bem recebida

Os testes de recuperabilidade seriam o conjunto de medidas mais urgentes a ser acionado, principalmente nas companhias integrantes do segmento de óleo e gás. Mesmo que fora do prazo, uma decisão espontânea de contratação de empresa especializada para uma opinião independente sobre a recuperabilidade dos investimentos realizados pela companhia será muito bem recebida pelo mercado.

Essas ações estão relacionadas a aquisições, construções de novas unidades, projetos de expansão e melhoria etc. Apesar da queda do valor de mercado, nos últimos dois anos o valor contábil médio dos ativos totais (ativo intangível mais o ativo imobilizado) aumentou de 51% para 54% do total dos ativos registrados pelas nossas empresas de capital aberto, excluindo-se bancos e companhias financeiras.

Se considerarmos que, segundo o conceito de Ebitda, a rentabilidade média sobre ativos totais ao longo desse mesmo período está em torno de 9%, temos um sinal de alerta chamando o mercado para uma análise mais aprofundada destes números.

Extrapolando o referencial médio acima para os segmentos da indústria, podemos observar que, no setor de óleo e gás, a participação dos ativos imobilizados mais intangíveis sobre os ativos totais ficou estável em 74% nos últimos dois anos, mas sua rentabilidade caiu de 8% para 7%. É uma rentabilidade preocupante, já que dela ainda são deduzidos o pagamento de impostos, juros e a depreciação econômica dos ativos de longo prazo, aqueles "pesados" 74% do total mencionados.

Continuando a navegação pelos setores econômicos, nos deparamos com outro segmento importante de capital intensivo: a indústria do aço. Nele, observamos a proporção de ativos de longo prazo estacionada em 62% nos últimos dois anos, enquanto a rentabilidade subiu de 9% para 11% no mesmo período. É um setor sensível às variações das taxas de retorno dos projetos de longo prazo, assim como o de óleo e gás, devido à combinação de baixa rentabilidade com alta participação de ativos de longo prazo nos negócios.

Já no setor elétrico, apesar da rentabilidade baixa (constante em 4% nos últimos dois anos), a participação dos ativos de longo prazo é balanceada e equivalente a uma típica empresa industrial (constante em 33% nos últimos dois anos). É um segmento atípico, bastante influenciado pela "antiguidade" de nosso parque de geração hidrelétrica. Os testes aqui devem concentrar-se na análise das taxas de retorno atribuídas aos projetos de renovação deste parque, entre outros "gatilhos" econômicos ou ambientais que afetam o setor.

Leo Pinheiro/Valor
Mas não só nas contas de imobilizado ou intangíveis que encontramos ativos ou passivos de longo prazo a serem testados. Estes podem estar embutidos nas mais diversas modalidades de contratos, que também devem ser objeto de testes independentes, ou "Fairness Opinions". É um trabalho de longo prazo, dado o volume e a complexidade destes tipos de contrato nas grandes empresas, principalmente de capital intensivo. Além dos formatos convencionais de contratos de construção, pode-se relacionar as modalidades "Built to Suit" (BTS) e "Build, Operate and Transfer" (BOT), muito utilizados hoje em dia, e geralmente não refletidos nos ativos de longo prazo constantes nos balanços das empresas (aparecem como arrendamentos operacionais).

Concluindo, o diagnóstico propiciado pelas "fotografias" anteriores poderá induzir a uma revisão de todo o modelo de governança da empresa, incluindo alguns processos operacionais e administrativos. Para as empresas de capital fechado que sequer adotaram práticas de governança minimamente recomendáveis ou, até mesmo, com um sistema de governança incipiente, a implementação de um conselho consultivo seria um passo fundamental nesta direção.

No entanto, para que esta estrutura de governança adicione valor à estratégia deste tipo de empresa, os membros a compor um conselho consultivo deveriam ter perfis eminentemente independentes e condições de aportarem conhecimento setorial e estratégico ao dia a dia operacional da empresa.

O ambiente de crise muitas vezes é o ideal para se testar novos conceitos e teorias. Se existisse um mercado sempre em crescimento, rentabilidade garantida e risco zero, seria indiferente para o investidor a análise de relatórios contábeis baseados em custo histórico ou em valor justo. No Brasil de agora, em que a credibilidade deve ser mantida a qualquer custo, essa análise faz toda a diferença. Se as empresas agirem rápido, apresentando números fundamentados e levando melhores práticas para o mercado, estarão criando uma grande oportunidade para o resgate da confiança.

Luiz Paulo Silveira é vice-presidente da Apsis Consultoria. Por Luiz P. Silveira VALOR ECONÔMICO Leia mais em cliptvnews 13/04/2015

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