13 novembro 2014

Fundos que compram e vendem empresas brasileiras têm lucro

"As pessoas não deveriam dar parabéns quando compramos uma em­pre­­sa. Deveriam dar pa­rabéns quando vendemos. Qualquer idiota com dinheiro consegue comprar.” O americano Henry Kravis, autor da frase acima, tinha 32 anos quando inventou um jeito novo de investir. Em vez de comprar ações na bolsa, por que não adquirir, para depois vender, empresas inteiras?

Lá se vão quase 40 anos e, hoje, é impossível conceber uma economia sofisticada sem a participação de fundos como o KKR, de Henry Kravis. Fundos de private equity, como são chamadas as instituições especializadas em levantar dinheiro com investidores, comprar empresas ou bons pedaços delas e depois revender com lucro, administram hoje milhares de companhias no mundo inteiro — já foram apelidados inclusive de “novos reis do capitalismo”.

Mesmo depois de tanto tempo, a situação descrita por Kravis segue valendo. Fundos de private equity são notícia quando gastam dinheiro e fazem aquisições retumbantes, mas poucos se importam com o que acontece depois. A compra do conglomerado RJR Nabisco pelo KKR, em 1989, foi, sem dúvida alguma, a mais célebre da história desse mercado.

Virou livro, filme e ficou por décadas no posto de mais cara da história. Pouca gente sabe que não deu um só centavo de lucro ao KKR e a seus investidores. Qualquer idiota, em suma, poderia ter gastado os 25 bilhões de dólares que Kravis gastou.

Investir em fundos de private equity é, afinal, um bom negócio? É uma pergunta atualíssima no Brasil, onde essa turma passou de coadjuvante a protago­nista na última década.

Fundos compraram pedaços ou o controle de centenas de companhias locais — nomes conhecidos do consumidor, como as aé­reas Gol e Azul, as varejistas Tok & Stok e Dudalina, e as redes de ensino superior Kroton, Estácio e Anhanguera. Mas, diferentemente do que acontece com outros segmentos — como multimercados, fundos de renda fixa ou imobiliários —, os fundos de private equity não são obrigados a divulgar seus resultados. Assim, quem fica sabendo qual é seu desempenho é somente o investidor de cada fundo.

Eles ficaram, de fato, importantes em nossa economia: mas os gestores são mesmo bons na hora de ganhar dinheiro? Ou só sabem gastá-lo? Nos últimos anos, pesquisadores da escola de negócios Insper debruçaram-se sobre os números de cada fundo para responder a essas perguntas.

Chegaram ao primeiro levantamento do desempenho dos gestores de private equity brasileiros ao longo dos últimos 22 anos. A conclusão: quem investiu nesse tipo de fundo nos últimos anos se deu bem. Muito bem.

Plano Real

O Insper analisou 127 aquisições de empresas brasileiras entre 1992 e 2014. As informações saíram da base de dados da Spectra, gestora que aplica dinheiro de investidores em fundos de private equity. Nesse período, o rendimento médio dos fundos foi de 19% ao ano, em dólares. Nos Estados Unidos, a rentabilidade beirou os 14% ao ano. Os resultados, claro, variam muito ao longo dos anos.

O intervalo entre 1992 e 1998 não foi dos melhores para os fundos que aplicaram no Brasil. Nesse período — que pega os últimos anos de hiperinflação —, o retorno variou de 1% a 8% ao ano, sempre em dólar. Isso levou, naquela época, gigantes como os americanos Warburg Pincus e TPG a fechar suas portas por aqui.

Mas, num recorte feito nos últimos oito anos, o resultado é outro. O retorno médio anual foi de 63% entre 2006 e 2014, o triplo da média mundial e cinco vezes mais do que o percentual obtido pelos fundos em países emergentes. “Antes da estabilização da economia, esse mercado praticamente não existia no Brasil e o risco de fazer investimentos aqui era muito grande”, diz Andreia Minardi, professora do Insper e autora da pesquisa. “O setor ganhou algum impulso depois de 1994, com o Plano Real, e deu um salto a partir de 2005.”

O bom desempenho recente dos fundos no Brasil é explicado por três fatores. Um deles foi o crescimento da economia e dos salários, combinação que melhorou os resultados de empresas voltadas para o mercado interno.

Outro foi o surgimento de um mercado de capitais dinâmico (pelo menos para os padrões brasileiros), que permitiu aos fundos vender suas participações em dezenas de empresas por meio de ofertas de ações na bolsa. E, por último, quem já atuava no país se aproveitou da baixa concorrência. Até 2007, grandes grupos internacionais, como Carlyle, Blackstone e KKR, mal olhavam para oportunidades de negócio aqui.

Alguns negócios feitos por esses fundos de fato impressionam — é aquele tipo de retorno quase impossível de obter no mercado acionário, que dirá na renda fixa. Em 2009, o fundo de private equity Advent investiu 580 milhões de reais para comprar o controle da rede de ensino Kroton e da empresa financeira Cetip.

Vendeu as ações, aos poucos, durante quatro anos e embolsou 5,8 bilhões de reais, um lucro de 900%. O Pátria multiplicou por 25 o investimento feito para comprar a rede de ensino Anhanguera em 2003.

O Gávea investiu cerca de 200 milhões de reais na Arcos Dourados, dona do McDonald’s na América Latina, em 2007, e embolsou cerca de 2 bilhões de reais quatro anos depois na abertura de capital da empresa. Investidores de fundos de private equity pagam uma taxa de administração de 2% ao ano e 20% do lucro com a venda das empresas.

Claro, o risco desse tipo de investimento é alto. Em períodos de euforia, é comum que os gestores fiquem menos criteriosos e as aquisições acabem custando mais do que deveriam. A pesquisa Insper/Spectra mostra que mais da metade da rentabilidade dos fundos de private equity entre 1992 e 2014 se deve ao desempenho de apenas 18% dos investimentos.

Segundo o levantamento, 15% das transações foram um fracasso total, ou seja, os fundos perderam tudo o que investiram. Em 13% dos negócios, conseguiram apenas recuperar parte do valor investido. Mas em 8% dos casos o gestor conseguiu um lucro superior a dez vezes o capital investido.

“Os riscos são muito mais altos do que os de uma aplicação na bolsa”, diz André Leite, da consultoria TAG Investimentos. “Deve-se investir nesses fundos só uma pequena parte do patrimônio, inferior a 10%, e diversificar o máximo possível.”

De acordo com o Insper, os fundos que estão entre os 25% melhores têm, em média, 57% de retorno anual, enquanto os 25% piores perdem 14% ao ano. Mesmo os grupos mais bem-sucedidos têm sua lista de fracassos — e esperam que o lucro dos sucessos seja suficiente para compensar.

A brasileira GP, que fez alguns dos melhores negócios do setor nas últimas duas décadas, perdeu ao investir na rede de clínicas de odontologia Imbra, na empresa de petróleo San Antonio e no laticínio Leitbom. O Carlyle, que ganhou duas vezes o que aplicou na gestora de planos de saúde Qualicorp, hoje tenta se livrar de seu maior fracasso, a varejista de lingerie Scalina.

Para investir diretamente num fundo de private equity, é preciso ter, no mínimo, 10 milhões de reais. A alternativa para quem tem menos do que isso são os fundos de fundos. Há gestoras como a brasileira Spectra, as suíças Capital Dynamics e Partners Group e a americana Hamilton Laneque que montam carteiras comprando pequenas participações em fundos de private equity.

Os investidores podem aplicar a partir de 300 000 reais nessas carteiras. “Investimos em cinco a oito fundos e depois entregamos o retorno proporcional aos clientes”, diz Renato Abissamra, sócio da Spectra. Em geral, as gestoras colocam como condição que os recursos fiquem aplicados por cinco a dez anos.

Mas vale a pena ficar preso num investimento assim agora? Existe alguma chance de os fundos repetirem o bom desempenho recente num ambiente de baixo crescimento econômico? O mais provável é que o rendimento caia nos próximos anos. Além do cenário ruim para a economia, a concorrência aumentou.

Nos últimos sete anos, oito fundos estrangeiros abriram escritórios no Brasil — e eles acabam brigando para comprar as mesmas empresas. “Temos de achar companhias que cresçam em um país que parou de crescer”, diz Martin Escobari, diretor executivo do fundo americano General Atlantic para a América Latina, que tem participações na empresa de programas de fidelidade Smiles e na corretora XP Investimentos.

Outro desafio é o câmbio, já que esses fundos captam e devolvem os investimentos em dólares. Quando o KKR pagou cerca de 1 bilhão de reais para comprar a Aceco TI, especializada na construção e manutenção de centro de dados, o dólar valia 2,26 reais. Em sete meses, a moeda americana valorizou 6%, o que reduziu o retorno do investimento.

Finalmente, o ambiente inóspito para aberturas de capital não ajuda. A boa notícia é que, hoje, quem pode investir num fundo de private equity tem a seu dispor gestores com estratégias as mais variadas.

Se há 20 anos só tinham espaço fundos que compravam o controle de empresas em crise para reestruturá-las, hoje há um pouco de tudo — de fundos que botam a mão na massa a outros que se contentam em ter uma fatia minoritária e “passiva” das empresas em que investem. A sofisticação aumentou a ponto de surgirem no país negócios em que um fundo vende sua participação para outro.

Esses fundos estão levantando, hoje, mais de 5 bilhões de dólares para continuar comprando. Dinheiro, portanto, não será problema para os fundos de private equity — os investidores torcem para que eles resistam à tentação de fazer algo idiota com ele.Patricia Valle,  Thiago Bronzatto | Leia mais em Revista EXAME 07/11/2014

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