A sociedade se importa com as F&As por uma razão simples. Tudo o mais constante, elas reduzem a competição, causando aumento de preços e diminuição da produção. O qualificante “tudo o mais constante” é importante porque a F&A pode gerar ganhos de eficiência, reduzindo os custos de operação que, sob determinadas condições, são repassados ao consumidor.
Portanto, é preciso avaliar os ganhos de eficiência e os efeitos da redução de competição. Caso os primeiros mais do que compensem os últimos, a F&A beneficia os consumidores e aumenta a eficiência econômica, devendo ser aprovada. Normalmente, é a autoridade de defesa da concorrência – o Cade – quem faz a avaliação.
O setor bancário é peculiar. Sua atividade consiste em “transformar sensibilidade à informação” (ou transformar maturidades), como dizem os especialistas em economia bancária. Os bancos se financiam majoritariamente através de instrumentos pouco sensíveis à informação, como depósitos e dívidas de curto prazo (de maturidade curta), e fazem empréstimos e investem em projetos que são bastante sensíveis à informação (de longa maturidade).
Esse descasamento das características de seus passivos e ativos gera uma forma de fragilidade financeira: mesmo solvente, um banco não conseguirá honrar seus compromissos se todos os seus financiadores de curto prazo “correrem” contra ele. Pior: as dificuldades em um banco podem gerar corridas contra outros. Ou, como é comumente dito, dificuldades em uma instituição geram risco sistêmico. Por isso, há a percepção de que a falência de um banco é mais grave do que a falência de uma firma em outros setores.
A preocupação com risco sistêmico justificaria que o Bacen tivesse a atribuição de avaliar as F&As bancárias. Implícita na justificativa está a suposição de F&As serem estabilizadoras do sistema bancário. Duas são as razões para isso.
Estando o sistema bancário em risco pela falência iminente de um banco, a sociedade – representada pela Autoridade Monetária – deveria estar disposta a ver um concorrente assumir suas operações, uma solução potencialmente anticompetitiva. Mesmo quando a F&A não ocorre com “a corda no pescoço”, gostaríamos ser mais tolerantes com F&As no setor bancário porque a concentração aumentaria a estabilidade.
O Bacen tende a se importar mais com estabilidade porque seu mandato inclui a proteção do sistema bancário. Não é sua intenção, mas é quase inevitável que a competição sofra se formos lenientes com fusões, principalmente se considerarmos o grau atual de concentração do setor bancário brasileiro.
Reclamaremos dos juros mais altos, o preço a pagar. No entanto, não é óbvio que estaremos a comprar algo pagando esse preço. É controversa a ideia de que a maior tolerância com F&As contribui para a estabilidade bancária.
A regulação ex-ante (baseada em prognóstico) adequada do setor bancário deve induzir os bancos a tomarem apenas a quantidade socialmente desejável de risco – um sistema bancário totalmente livre de risco provavelmente não servirá o público adequadamente.
No entanto, a possibilidade de resgate ex-post (baseado no fato) – na forma de uma fusão ou aquisição em caso de situação crítica – induz maiores incentivos para que os bancos assumam riscos e “descasem maturidades” em excesso.
Ademais, leniência com F&As gera bancos “muito grandes para quebrar” (too big to fail), o que aumenta sua assunção de riscos. Em ambos os casos, o risco sistêmico aumenta. Evidências empíricas mais recentes mostram que há robusta relação entre competição e estabilidade financeira: competição induz tomada de riscos mais diversificados, reduzindo risco sistêmico.
Para os interessados, detalhamos os argumentos em dois artigos recentemente publicados.
A sabedoria convencional diz que a preservação da estabilidade torna desejável que o Bacen seja responsável pela avaliação de F&As bancárias. Mas o argumento é frágil.
Há uma forma direta e mais eficaz de se regular bancos de maneira a minimizar risco sistêmico: induzi-los a aumentar a fração de capital próprio em seu financiamento, como sugere a incansável luta de Anat Admati e Marting Helwig, autores do seminal “The Banker”s New Clothes”. O regulador bancário deveria focar nisso, e deixar a análise de F&As para a autoridade de defesa da concorrência.
João Manoel Pinho de Mello, 41 anos, é Ph.D em economia pela Universidade Stanford, professor de Economia do Insper e microeconomista da Pacifico Gestão de Recursos. Vinicius Carrasco 38 anos, é Ph.D em economia pela Universidade Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-RJ
Fonte: UOL Notícias | Leia mais em Insper 21/09/2014.
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