Empresas entraram em recuperação judicial, foram estatizadas e se uniram para sobreviver aos efeitos da turbulência que começou no mercado financeiro. No País, marcas desapareceram e outras surgiram com a fusão de grupos fortes na economia brasileira
Para o especialista, turbulência ensinou ao País a importância de ter reservas externas
O faturamento das 50 maiores empresas brasileiras cresceu 84% entre 2008 e 2012, de R$ 753,5 bilhões para R$ 1,388 trilhão em valores correntes. Os números mostram a trajetória das companhias justamente no período da crise econômica mundial, deflagrada em 2008 e que teve como marco a quebra do banco Lehman Brothers. A expansão dessas gigantes foi maior que a de 45,2% do Produto Interno Bruto (PIB) no mesmo período (de R$ 3,032 trilhões para R$ 4,04 trilhões). A relação entre esse faturamento e o PIB também avançou: de 24,8% em 2008 para 31,5% em 2012. Os dados compõem um levantamento feito pela auditoria e consultoria PwC Brasil (antiga PricewaterhouseCoopers) com base em dados do Valor 1000 Maiores Empresas. “A crise fez as companhias se preocuparem mais em serem produtivas e grandes para ganharem mercado. Os números refletem isso: em linhas gerais, as empresas estão bem maiores com faturamento e em lucratividade. E, por isso, estão mais capazes de lidar com adversidades”, afirma o sócio da área de fusões e aquisições da PwC Andre Castello Branco.
As empresas brasileiras se tornaram mais robustas não apenas nos números. Segundo Castello Branco, houve mudanças na governança corporativa e na gestão. Um dos principais cuidados é evitar que os riscos financeiros afetem as operações. Antes da crise, não eram poucas as empresas que, para driblar os juros altos, buscavam ganhos no sempre rentável mercado financeiro. Entre as exportadoras, muitas faziam contratos de hedge ou Adiantamento de Operação de Câmbio (ACC) para se financiar lá fora a custo mais baixo e, até mesmo, financiar terceiros. As maiores perdas com operações de câmbio foram Sadia (R$ 2,5 bilhões) e Aracruz (R$ 4,646 bilhões).
Desde 2008, outro fenômeno que se viu no mapa corporativo foi o crescimento e a internacionalização de empresas brasileiras, embaladas pelas oportunidades geradas pela crise. E esse movimento foi muitas vezes fomentado pelo Bndes, com a política que ficou conhecida como “a escolha de campeões nacionais”. “A crise afetou muito os mercados americano e europeu, que passaram a ser alvo de empresas brasileiras fortes. E o Bndes ajudou no fomento ao crescimento das empresas, com a ideia de formação de vencedores”, diz Castello Branco.
A lista de novas companhias é extensa. Os exemplos mais emblemáticos são Fibria e BRF, duas operações que tiveram origem nas perdas cambiais de Aracruz e Sadia. A lista, no entanto, é muito maior e inclui Braskem (que comprou a Quattor em 2010) e Itaú Unibanco, criado em novembro de 2008 com a união do terceiro e do quinto maiores bancos privados do País. Outras companhias tiveram crescimento expressivo no período, como o Grupo JBS - que passou a liderar o mercado de carne bovina no mundo, com aquisições como Bertin, Pilgrim’s Pride e Seara - e a Marfrig, que comprou a norte-americana Keystone Foods.
Essa mudança nos negócios ocorreu depois de um ano recorde nas fusões e aquisições no País, em 2007. “É difícil tomar decisões de longo prazo em períodos de crise. Em 2009, houve uma tática de sobrevivência, de juntar forças para sair da crise, mas esse movimento não foi capaz de se sobrepor ao cancelamento de negócios”, afirma Luís Augusto Motta, sócio da KPMG Corporate Finance, lembrando a queda de 30% no número de fusões e aquisições no Brasil em 2009 em relação a 2008.
O consultor Tiago Monteiro, da A.T. Kearney, ressalta que, num primeiro momento, muitas empresas de países emergentes, como as da China e da Índia, fizeram aquisições na Europa e nos Estados Unidos também para diversificar a moeda de origem de suas receitas e acessar mercados de mais tecnologia. Em seguida, os investidores globais passaram a ser atraídos por países com grande mercado ou economias em crescimento, como Turquia e México. “Nos mercados maduros, as empresas já estão enxutas. Nos emergentes, é preciso que as companhias aumentem a produtividade e a eficiência para seguir crescendo”, explica.
Países emergentes são mais vulneráveis aos Estados Unidos
Os Estados Unidos, que detonaram a crise global de 2008, começam, aos poucos, a voltar à normalidade. Depois de três levas de políticas monetárias pouco usuais, que injetaram bilhões de dólares no mercado financeiro (os chamados “afrouxamentos monetários”), o Federal Reserve, banco central dos EUA, deverá interromper a estratégia nos próximos meses, diante de sinais mais fortes de que a economia retomou o crescimento. Mas, o que é bom para os Estados Unidos, nem sempre é bom para o resto do mundo, pelo menos não a curto prazo. E, sobretudo, para os países emergentes.
Especialistas alertam que a forte depreciação sofrida por moedas de países emergentes desde junho, quando o Fed anunciou a mudança em sua política, poderá ser uma tendência nos próximos meses, com os fluxos de capitais voltando para os Estados Unidos e deixando a periferia. Essa nova onda de turbulência deve afetar os países mais vulneráveis a choques externos. Os nomes mais citados dessa lista são: Índia, Indonésia, Turquia, Rússia, África do Sul e Brasil. São países que também tendem a sofrer com o esperado freio no crescimento da China, já que são grandes exportadores de matérias primas.
A simples perspectiva de que os Estados Unidos vão interromper a injeção de recursos no mercado já elevou as taxas de juros americanas de longo prazo, atraindo capitais para o país. “A percepção de que a liquidez abundante vai começar a diminuir leva a saques de recursos de emergentes. Os investidores agora começam a olhar mais para os fundamentos desses países e diferenciá-los por isso”, explica o chefe de pesquisa macro e estratégia para América Latina do Barclays, Marcelo Salomon.
Episódio evidenciou a solidez do Brasil, diz Mesquita
Diretor de Política Econômica do Banco Central em 2008, Mário Mesquita acredita que a crise foi um divisor de águas para o Brasil: o País não recorreu ao FMI e ainda fez acordo de troca de moedas com o Fed. Hoje sócio do Banco Brasil Plural, Mesquita passava o aniversário em Nova Iorque quando o Lehman Brothers foi à bancarrota. Ele lembra que, no auge da crise, brasileiros que tinham dinheiro no exterior sacaram suas economias de bancos internacionais para depositá-las em filiais de instituições brasileiras lá fora. “Isso atesta a solidez de nosso sistema”, acredita.
O senhor estava em Nova Iorque no dia 15 de setembro de 2008?
Mário Mesquita - Setembro é o mês em que o mercado reabre, após as férias de verão do Hemisfério Norte. Naquela semana, em teleconferência com o Mário Torós (então diretor de Política Monetária do BC), que tinha ficado no Brasil, decidimos fazer as operações de venda com recompra de dólar. Já havia começado a pressão cambial. Para nós, o sinal mais nítido de que a situação tinha se agravado foi a diferença de tratamento com a AIG. Permitiu-se que o Lehman quebrasse e, dois dias depois, houve o socorro à AIG (o governo americano injetou US$ 85 bilhões na gigante de seguros). Depois, teve a reunião anual do FMI (em outubro).
Qual foi o impacto mais perverso da quebra do Lehman no Brasil?
Mesquita - Teve o impacto via câmbio, ligado ao aumento da aversão a risco, mas também foi magnificado pelos derivativos tóxicos, episódio mais próprio do Brasil. Depois começou o aperto de crédito, que afetou bancos pequenos e médios. A pressão foi bastante intensa, mas curta. Quando o BC começou a soltar compulsórios e a condicionar a liberação à compra de ativos dos bancos menores por maiores, o alívio foi acontecendo. Vimos, porém, brasileiros com recursos no exterior tirando de bancos internacionais e colocando em bancos brasileiros, o que atesta a solidez de nosso sistema.
E o episódio dos derivativos cambiais?
Mesquita - Alguns princípios norteavam nossa atuação. Primeiro, era não validar apostas especulativas do setor privado. Algumas empresas atuavam quase como hedge funds. O segundo princípio foi deixar a taxa de câmbio cumprir seu papel, de ajuste a mudanças nas condições externas. Outro princípio foi a parcimônia na intervenção, porque não sabíamos quanto tempo a crise iria durar. Existiam várias análises que diziam que estávamos à beira de uma nova Grande Depressão. Algo que não havia acontecido nas crises anteriores foi um escasseamento forte das linhas de comércio exterior. Pensamos: “pode ser que a gente tenha que virar o banco de financiamento do comércio exterior brasileiro, tem que ter reserva para isso, pode ser que isso dure um, dois anos”. Um episódio importante para a normalização do mercado foi a operação de swap de moedas com o Fed (quando o BC americano deixou à disposição do Brasil uma linha de US$ 30 bilhões, espécie de cheque especial, que poderia ser paga em reais). Esse swap de moedas a gente nunca chegou a acionar. A mera sinalização já foi suficiente para acalmar o mercado.
Passados cinco anos da crise, que lições ficaram de 2008?
Mesquita - No caso do Brasil, a importância de ter reservas externas. Em 2006 e 2007, o Banco Central sofria muitas críticas por estar acumulando reservas, que custam caro, mas foram um seguro muito válido. Essa é a importância de se ter instrumentos adicionais de política monetária, não apenas a taxa de juros.
Fonte: JornaldoComércio 25/09/2013
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