Ao longo dos anos, as operações de fusões e aquisições vêm crescendo no cenário econômico brasileiro. Algumas operações merecem destaque, como a união da Brahma com a Antártica, formando a gigante AmBev, assim como o Banco Itaú com o Unibanco, a aquisição do Banco do Brasil comprando a Nossa Caixa do Estado de São Paulo, aquisição do Banco Real pelo Santander, Perdigão com a Sadia (fusão), formando a Brasilfoods, BM&F com a Bovespa, entre muitas outras.
Essas operações buscam a obtenção de uma parcela maior do mercado com a consequente eliminação da concorrência, fortalecimento da empresa, enxugamentos de custos de produção e administrativos, entre outros. Entretanto, um tema pouco comentado, de grande importância e que está ligado diretamente a esses tipos de operações começa a ganhar espaço nas redes de discussões. Trata-se do insider trading, que consiste no uso indevido de informações privilegiadas para obter algum tipo de vantagem, seja pessoal ou econômica. Trata-se de um crime, previsto em lei, onde um funcionário de uma determinada empresa de capital aberto, usando de uma informação confidencial e estratégica que detém devido à função que desempenha, obtém para si ou para outrem algum tipo de vantagem.
Geralmente, a informação privilegiada é divulgada para algum terceiro, que, sabendo de alguma eventual negociação de empresas de capital aberto, adquire ações delas antes de ocorrer a publicação das informações confidenciais. Com isso, o preço das ações dispara, gerando um enorme lucro para aquele que as adquiriu. No ordenamento jurídico brasileiro, o insider trading está tipificado na Lei 6.385/76 em seu artigo 27, D:
“Artigo 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime”.
O artigo acima não explica o que ou quais informações poderiam ser consideradas privilegiadas. Assim, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia que disciplina o funcionamento do mercado de valores imobiliários, no artigo 13 da Instrução CVM [10] 358/02, definiu como informação privilegiada aquela que:
“Antes da divulgação ao mercado de ato ou fato relevante ocorrido nos negócios da companhia, é vedada a negociação com valores mobiliários de sua emissão, ou a eles referenciados, pela própria companhia aberta, pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, ou por quem quer que, em virtude de seu cargo, função ou posição na companhia aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas, tenha conhecimento da informação relativa ao ato ou fato relevante”.
Destarte, independentemente do cargo que a pessoa ocupe, caso ela detenha alguma informação a respeito de aquisição ou a alienação de ações, a informação é confidencial, passando a ser crime sua divulgação. É claro que, por ser de extrema confidencialidade, apenas pessoas ligadas à direção da empresa terão acesso às informações privilegiadas.
Apesar de previsto no nosso ordenamento jurídico, o insider trading ainda é um assunto muito tímido, o qual ainda não despertou maiores discussões a respeito de sua abrangência e suas consequências.
Entretanto, um caso ocorrido recentemente começa a mudar essa questão no cenário nacional. Trata-se da oferta realizada pela Sadia para adquirir a Perdigão (indústrias de alimento).
Em meados de 2006, a Sadia preparou uma oferta para adquirir a Perdigão. O ex-diretor-financeiro e de relações com investidores da Sadia Luiz Gonzaga Murat Filho e o ex-membro do conselho de administração da Sadia Romano Ancelmo Fontana Filho usaram de informações privilegiadas para negociar valores mobiliários no mercado de capitais, valendo-se de intermediários estrangeiros com o intuito de ocultar das autoridades brasileiras as operações negociadas no exterior.
Ambos os funcionários foram julgados e condenados à pena de reclusão e pagamento de multa pecuniária em primeiro grau. Contudo, o Tribunal Regional Federal (TRF) não apenas manteve as condenações como também aumentou as penas de reclusão dos dois executivos e determinou o pagamento de danos morais coletivos por ambos. Luiz Gonzaga Murat Filho teve sua pena aumentada para dois anos, seis meses e 10 dias de reclusão, além do pagamento de multa pecuniária de R$ 349,7 mil, a ser destinada ao Fundo Penitenciário Nacional, e outros R$ 254 mil por danos morais coletivos, que serão repassados à Comissão de Valores Mobiliários para serem aplicados em programas de prevenção e educação de investidores.
Já Romano Ancelmo Fontana Filho teve sua pena aumentada para dois anos e um mês de reclusão, mais multa de R$ 374,9 mil e outros R$ 303 mil por danos morais coletivos.
Os dois executivos, por terem sofrido penas menores que quatro anos, poderão ter suas penas de reclusão convertidas em prestação de serviços à comunidade.
Os executivos também não poderão exercer cargos de administrador e conselheiro fiscal de companhias abertas pelo mesmo período da condenação sofrida.
Esse foi o primeiro julgamento realizado em todo o Brasil a respeito do insider trading. A partir desse fato inédito, espera-se que haja uma maior fiscalização e policiamento da Justiça brasileira acerca dessas práticas, combatendo-as de maneira eficaz sempre que constatadas, a fim de garantir que as negociações no mercado de valores de ações ocorram de maneira condizente com o que é preceituado pelo ordenamento jurídico, assegurando uma concorrência justa no mercado. Por Thiago Righi Fonseca de Almeida - Advogado da CLR Advogados - Jornal Estado de Minas
Fonte: clippingcvm 08/03/2013
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