Familiar e fechada, a Bauducco é vista como uma joia no setor de alimentos. A empresa pode valer entre 2,4 e 3 bilhões de reais
Loja da Bauducco, em São Paulo: à procura de um sócio para bancar investimentos de 500 milhões de reais
O mercado brasileiro de alimentos não é mais o mesmo. Durante décadas, o setor foi dominado por grupos familiares, donos de marcas conhecidas, mas que não iam muito além de suas regiões de origem. De uns anos para cá, o jogo mudou.
Uma série de aquisições mostrou que esse mercado está chegando a uma nova fase. Saem as famílias, entram as multinacionais. Em 2011, a americana Pepsico pagou 800 milhões de reais para comprar a fabricante goiana de biscoitos Mabel.
No ano seguinte, a produtora global de bebidas Diageo, dona de marcas como Johnnie Walker, adquiriu a cachaçaria cearense Ypióca por 900 milhões de reais. Também no ano passado a americana General Mills arrematou a fabricante de farinha e salgadinhos Yoki por 2 bilhões de reais. O fator responsável por essa transformação tem, claro, relação com o aumento do poder de compra dos brasileiros.
Para as empresas familiares que não entraram na onda de consolidação, tem-se o dilema: vender ou se transformar para sobreviver no novo cenário, muito mais competitivo? A Bauducco, tradicional fabricante de panetones e biscoitos, decidiu trilhar o segundo caminho.
Fundada por um imigrante italiano 60 anos atrás, a Bauducco iniciou no fim do ano passado a busca por um sócio. Está à venda uma fatia de 20% por cerca de 500 milhões de reais — segundo estimativas de executivos de fundos interessados no negócio, a empresa pode valer algo ente 2,4 bilhões e 3 bilhões de reais.
Para a Bauducco, uma empresa absolutamente fechada, que não publica balanços e é controlada por uma família que jamais havia cogitado vender uma participação na empresa, a atual negociação é um desvio um tanto radical em sua história. EXAME teve acesso aos números que estão sendo mostrados aos potenciais compradores.
Em 2012, as vendas da companhia somaram 1,5 bilhão de reais, o dobro de cinco anos atrás. Seu lucro chegou a 97 milhões de reais, o dobro de três anos atrás. A Bauducco vem conversando com fundos de private equity. Massimo Bauducco, neto do fundador, toca as negociações pessoalmente.
“Estamos estudando as possibilidades e ouvindo propostas, mas ainda não discutimos preços”, afirma Paulo Cardamone, diretor da divisão de varejo da companhia. A família Bauducco não concedeu entrevistas.
Para a Bauducco, abrir mão de 20% do negócio é o preço para manter a atual trajetória de crescimento num mercado muito mais competitivo. No segmento de panetones, ninguém vende mais que a Bauducco no mundo.
No último Natal, a companhia produziu 65 milhões de unidades. No Brasil, suas marcas Bauducco, Visconti e Tommy dominam 65% do mercado — força comparável à da Ambev em cervejas ou à da Souza Cruz em cigarros.
Nos Estados Unidos, a empresa é dona de 48% desse mercado e vende mais até que os tradicionais fabricantes italianos. Na última década, a Bauducco passou pela maior transformação de sua história.
Dedicada anteriormente a três produtos — panetones, biscoitos simples e torradas —, a companhia começou a diversificar. A partir de 2005, lançou produtos que rendem margens de lucro maiores, como seus biscoitos de goiaba e cookies.
Desde então, as vendas de categorias como essas cresceram até 50% por ano. Após essa mudança de rumo, os panetones, que respondiam por quase a totalidade do faturamento até a virada do século, hoje representam um terço das vendas.
No total, 20% da receita vem de produtos lançados depois de 2005. Hoje, a empresa é líder em alguns dos segmentos que mais crescem no mercado de alimentos brasileiro, impulsionados pela sofisticação do consumo da classe C, como torradas e cookies.
“Aproveitamos o momento de aumento da renda dos brasileiros para lançar produtos mais sofisticados no mercado”, diz Cardamone. Em 2012, a companhia também inaugurou a primeira loja com sua própria marca, onde vende produtos mais caros do que os comercializados nos supermercados.
Até agora, possui duas unidades em São Paulo, mas os planos são levá-las a outros estados, com a abertura de outras 30 em três anos. “A ideia é que esses produtos tornem a marca mais desejada pelos consumidores”, afirma Marcelo Cherto, consultor de varejo que fez o projeto das lojas para a Bauducco.
Mais concorrência
A questão que aflige a Bauducco é: a fórmula que deu certo nos últimos cinco anos funcionará nos próximos cinco? As recentes movimentações do mercado mostraram que não. Além das aquisições, as múltis fizeram investimentos que indicam que a Bauducco não terá sossego daqui em diante.
A Pepsico, que comprou a Mabel e chegou a negociar a aquisição da Marilan, outra tradicional fabricante de biscoitos para a classe C, já deixou claro que pretende crescer no mesmo mercado desejado pela Bauducco.
No ano passado, anunciou que ampliará suas fábricas no país e reformulou sua linha de biscoitos. A Mondelez (novo nome da Kraft no Brasil) inaugurou uma linha de produção de seus biscoitos em 2012 e já anunciou outra ampliação para este ano. Apesar de líder em segmentos como panetones e torradas, a Bauducco ainda é pouco relevante no mercado de biscoitos como um todo.
A companhia é a quarta colocada no ranking nacional, com participação de mercado de 8%, bem atrás da líder M. Dias Branco, dona de marcas como Adria e Isabela, que pertence ao empresário cearense Francisco Ivens de Sá Dias Branco e detém 25% do mercado — e é líder absoluta no Nordeste, região onde a Bauducco inaugurará uma fábrica em 2013.
Segundo os dados obtidos por EXAME, a companhia pretende crescer 70% dentro de cinco anos, chegando a um faturamento de 2,6 bilhões de reais, e triplicar o lucro para 280 milhões. O dinheiro do novo sócio ajudaria a bancar um plano de investir 500 milhões de reais nos próximos cinco anos para ampliar as fábricas, um valor 50% maior do que os desembolsos do quinquênio anterior.
Apesar de necessária, a abertura é um movimento dramático para a companhia, que sempre recusou com veemência qualquer proposta de aquisição. Não foram poucas as ofertas recebidas ao longo dos anos.
Massimo, conta-se nos corredores da empresa, costumava responder às propostas com indisfarçável desdém — como na vez em que teria ouvido uma proposta do então presidente da Nestlé, Ivan Zurita, que queria comprar a Bauducco inteira.
Em vez de analisar a oferta, Massimo saiu-se com esta: “E se você me vendesse sua divisão de biscoitos?” É uma resposta que tem tudo a ver com o jeitão com que é tocada a empresa, fundada em 1952 pelo italiano Carlo Bauducco, no bairro do Brás, em São Paulo. Aos 55 anos, Massimo comanda os negócios há duas décadas e concentra todas as decisões. Seu pai, Luigi, permanece como presidente honorário e o irmão, Carlo Andrea, é diretor de novos negócios.
Abaixo de Massimo, estão seis diretores oriundos de empresas como Nestlé, Barilla e Unilever. Quando não está em viagem, ele gosta de provar os produtos na fábrica e de visitar varejistas. Até hoje os familiares se reúnem todos os dias para almoçar com os executivos na sede da empresa, em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo.
O tamanho do drama que esse momento de mudança representa pode ser medido pelas restrições impostas pela família para as negociações. Segundo investidores que iniciaram conversas, a empresa se mantém inflexível em dois pontos fundamentais tanto para fundos como para outras companhias aceitarem o negócio.
Não promete a venda de uma fatia maior de seu capital no futuro nem garante a compra da fatia vendida de volta caso o investidor não encontre saída para seu investimento.
Além disso, o novo sócio não teria direito a indicar executivos para nenhum cargo, como costuma ocorrer nesse tipo de associação. “Sem ceder em algum desses pontos, vai ser difícil fazer negócio”, diz o diretor de um fundo que perdeu o interesse pela transação. Para a família Bauducco, tudo precisa mudar — desde que tudo permaneça como está. Por João Werner Grando,
Fonte: exame 09/03/2013
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