Relatórios de empresas, em regra, indicam o preço-alvo ou justo para a ação. Por incorporar expectativas de longo prazo, ele tende a ser menos volátil. Reportagem da ValorInveste de julho/12 mostra o contrário. A teoria de Benjamin Graham está morta?
O cultuado gestor Benjamin Graham criou o personagem Mr. Market, investidor que diariamente vem a mercado procurar os acionistas para comprar ou vender ações. Ora oferece preços razoáveis, ora preços absurdos pelos ativos. O acionista é livre para negociar ou não. A ideia por trás da alegoria criada por Graham é de que o acionista não deve se ater ao preço volátil do mercado, mas ao valor intrínseco da ação, por ser mais consistente.
Em regra, o preço intrínseco ou preço-alvo ou preço justo (“target price”, em inglês) é calculado com base na metodologia do fluxo de caixa descontado, pela qual a geração de caixa futura da companhia é trazida a valor presente a uma determinada taxa de desconto e, posteriormente, dividida pela base acionária.
Como leva em conta expectativas futuras, espera-se que o preço-alvo não sofra fortes oscilações. Contudo, matéria da ValorInveste de julho/12 mostra o contrário (veja tabela abaixo).
Em algumas situações, um fato marcante explica a revisão do preço-alvo. Recentemente, os preços justos de duas companhias — Eletropaulo (ELPL4) e OGX (OGXP3) — calculados pelos analistas sofreram forte deterioração, com reduções de quase 50%. As tarifas da primeira tiveram queda na revisão tarifária definida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A estimativa do mercado era mais otimista do que a do órgão regulador, pois o segundo adotou um ativo regulatório inferior ao que vinha sendo adotado pelos analistas de mercado. Já a OGX teve seu preço-alvo reduzido devido ao desapontamento do mercado com as novas estimativas de produção fornecidas pela companhia.
Mas essas mudanças nos preços justos têm ocorrido de maneira corriqueira e não somente mediante grandes eventos. A reportagem mostra que os preços-alvo de empresas como Petrobras, Cielo, PDG e Pão de Açúcar apresentaram alterações significativas nos últimos dois anos, tomando-se por base dados da “Bloomberg”.
Por que essas alterações ocorrem? Há vários motivos. Os analistas podem estar utilizando premissas muito otimistas, casos da OGX e Eletropaulo. Com o tempo, aquelas estimativas se provam errôneas. Erros na projeção são mais comuns do que imaginamos.
Além disso, o preço-alvo não é influenciado apenas por dados operacionais. A taxa de desconto é influenciada por indicadores macroeconômicos como o risco-país, por exemplo. No passado, quando a economia brasileira era mais volátil, crises afetavam fortemente o risco-país e, por consequência, aumentavam a taxa de desconto, derrubando o preço justo.
Percebo também desconforto dos analistas quando seus preços-alvo se distanciam muito da cotação corrente. Exemplo clássico ocorreu na crise de 2008. Em decorrência da situação de pânico, as ações das companhias apresentaram forte desvalorização. Algumas companhias possuíam valor de mercado inferior ao caixa líquido! Assim, muitas passaram a apresentar potenciais de valorização (a diferença entre o preço justo e a cotação atual) de três dígitos. Vários analistas correram para reduzir agressivamente seus “target prices”.
Embora o futuro parecesse incerto e algumas premissas devessem ser alteradas para atender a esse novo cenário, o valor intrínseco das companhias não podia ter se modificado tanto. A forte recuperação das cotações nos anos seguintes mostrou que Graham estava correto e a revisão dos preços alvo havia sido um erro.
Embora o preço-alvo deva ser visto com restrições devido às inúmeras fragilidades da metodologia do fluxo de caixa descontado, o princípio de Graham continua válido: é o preço de mercado que deve buscar o valor intrínseco e não o contrário. A oscilação é característica do preço de mercado e não do preço alvo. Alterações significativas do preço-alvo devem ser vistas como um evento raro. Contudo, o conceito de preço justo tem sido banalizado pelo mercado.
Por André Rocha é analista certificado pela Apimec e atua há 20 anos como especialista na avaliação de companhias listadas na bolsa
As opiniões contidas neste espaço refletem a visão do analista sobre as companhias, e não a do Valor Econômico. O Valor e o autor não se responsabilizam por prejuízos decorrentes do uso dessas informações
Fonte:Valor Econômico 10/07/2012
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