27 fevereiro 2012

Estrangeiros ajudam a formar equipe dos sonhos nas empresas

Segundo especialista em coaching, importar mão-de-obra, afinal, pode representar uma vantagem estratégica para as companhias

Há mais de dez anos Eliana Dutra, diretora executiva da Pro-Fit Coaching & Treinamento, treina executivos para serem líderes em empresas como Souza Cruz, L’Oreal e Petrobras.

De lá pra cá, segundo a especialista, o número de estrangeiros e de brasileiros repatriados nas companhias vem aumentando consideravelmente. Culpa da falta da mão-de-obra especializada, ela diz, engrossando o coro de empresários e do próprio governo.

Recentemente, Antonio Patriota, ministro das Relações Exteriores afirmou que o governo brasileiro pretende coibir a imigração de haitianos e fomentar a vinda de mão-de-obra especializada da Europa, por exemplo, facilitando o visto de trabalho a estrangeiros. Uma pesquisa da consultoria ManpowerGroup apontou que, no Brasil, 14% das companhias têm solucionado a falta de mão de obra qualificada recrutando profissionais de outros países.

Os dados oficiais confirmam essa tendência. De acordo com um balanço do Ministério do Trabalho, a concessão de vistos de trabalho a estrangeiros aumentou 25,9% em 2011. Foram 70.524 profissionais estrangeiros com visto para trabalhar no país, contra 56.006 em 2010.

Mas esse movimento de importação de mão-de-obra qualificada de outras regiões é positivo ou negativo para as empresas? Eliana só vê vantagens. Para a autora do livro “Coaching – O Que Você Precisa Saber” e vice-presidente da International Coach Federation, o fenômeno tem criado equipes multiculturais, o que ajuda as corporações a ganharem novos mercados e a responder rapidamente a novas exigências dos clientes. Entenda os motivos na entrevista abaixo.

Muitas empresas afirmam que estão suprindo a falta de mão-de-obra especializada com estrangeiros. Você tem notado um aumento na presença desses profissioanais? Nos treinamentos que dou em grandes empresas, tenho visto cada vez mais gente da Europa. É finlandês, português e espanhol. No mercado de óleo e gás esse contingente aumentou mais do que nos outros. Faltam muitos engenheiros. O curioso é que, em muitas companhias, há um fluxo migratório de retorno também. Muitas estão repatriando brasileiros que estavam trabalhando em outros países.

Essa “importação de mão-de-obra” é mais forte nas multinacionais ou as nacionais começam a recorrer à mesma estratégia?
Com certeza o aumento de funcionários estrangeiros é mais forte nas multinacionais. É quase natural pra essas companhias, porque há uma cultura interna que facilita a recepção desses funcionários. Quando um estrangeiro chega, em geral fala-se inglês. A multinacional já tem esse terreno preparado para isso. A nacional nem sempre tem esse ambiente onde quase toda a equipe fala o inglês.

Como é a adaptação desses funcionários estrangeiros?
É muito pessoal. Alguns se adaptam rapidamente. Isso independe da nacionalidade, tem mais a ver com o quanto a pessoa é flexível ou não. Mas, claro, há algumas especificidades. Para os latinos em geral é mais fácil se adaptar porque a cultura é mais próxima da nossa. Os anglo-saxões têm mais dificuldade com a questão de horário. O brasileiro tem dificuldade com a maneira direta de o anglo-saxão falar. E mesmo os brasileiros que estão sendo trazidos de volta estão passando por uma readaptação. Imagina quem passou dois anos na Suécia, com tudo organizado, transporte pontual, tudo funcionando bem?!

Com tantas diferenças culturais, como fica o trabalho em equipe?
Essas diferenças culturais provocam o estranhamento, mas são elas que também enriquecem o ambiente de trabalho. São elas que trazem novos pontos de vista e novas soluções. Questões que você não enxerga, o outro enxerga. Essa diferença traz a diversidade, enriquece a equipe e, por consequência, traz inovação. Já se perguntou por que todo grande campeão de xadrez é derrotado por um garoto? Porque eles costumam vir com uma estratégia nova, uma visão diferente.

Para as empresas, montar equipes multiculturais pode ser uma vantagem competitiva?
Com certeza. Equipes multiculturais ajudam as empresas a se estabelecerem em novos mercados. Ou, ainda, a se adaptarem a novas condições de mercado. Por exemplo, uma companhia identifica que agora o mercado exige mais precisão em alguma solução. Antes, era possível ter uma peça errada em cada dez. Uma saída é contratar mais engenheiros alemães. O engenheiro alemão costuma ser mais assertivo e menos flexível, talvez ajude a desenvolver um processo mais rígido de controle de qualidade.

Quais os principais desafios de se lidar com esse perfil de equipe?
As diferenças, que por um lado são algo positivo, por outro lado dificultam. Uma amiga ficou na casa de uns anglo-saxões durante uma viagem. Como agradecimento, ela deu um par de brincos à anfitriã. Ela não gostou e simplesmente devolveu o embrulho, o que pra eles é uma atitude normal. O feedback do brinco foi doloroso para essa amiga, mas ensinou que não se presenteia com objetos muito pessoais. O desafio é entender que o outro vai ter uma sensibilidade, uma abordagem diferente da sua e nem por isso ele está errado. A tendência da gente é no mínimo achar esquisito. Mas não se pode taxar o “diferente” de “errado”.

Qual a equipe dos sonhos, do ponto de vista das competências culturais?
A melhor equipe é a mais diversificada. Culturalmente falando, o norte-americano é focado em resultados, o alemão é bom de processos e o brasileiro, de lidar com pessoas. As equipes multiculturais ajudam a obter esse equilíbrio. Se você tem uma equipe de três pessoas, uma focada em resultado, a outra em processo e a outra em gente, esse é o mundo ideal. O resultado sempre vai ser mais completo. Mas tem que ter um gestor que saiba lidar com isso.

Que características o gestor de uma equipe multicultural precisa ter?
Ele tem que entender que pessoas diferentes têm motivações diferentes. Tem que ter boa capacidade de comunicação, saber expressar aonde quer chegar, o que os americanos chamam de “inspiring”, energizar essas pessoas, o “empowerment”. As ferramentas são as mesmas, a única competência é saber aceitar.

Alguma nacionalidade, por característica, é melhor gestora?
Dentro dessas três tendências de gerenciamento (por resultado, processo ou pessoas), o melhor gestor depende do que a empresa produz. Se estamos em guerra, por exemplo, o desempenho é pelo resultado e o resultado tem que vir rápido. Em uma escola, seu negócio é pessoas.

E o gestor brasileiro?
O brasileiro em geral é um pouco paternalista, passa a mão na cabeça das pessoas. Se você tem um chefe mais exigente, mais assertivo, ele pode te ajudar a desenvolver um lado seu que o brasileiro não ajudaria.

O brasileiro está preparado para trabalhar em equipes multiculturais?
A nossa sociedade considera o certo ou errado em cima do julgamento moral. Isso, acredito, porque temos pouca bagagem cultural. Grande fatia da população não teve oportunidade de viajar e se expor a outras culturas. Por isso mesmo, possui menos flexibilidade pra aceitar o diferente. Certo dia meu pai foi ver uma fazenda no Mato Grosso. Chegando lá, ele percebeu que o pessoal só comia arroz. Fez uma horta, mas eles continuavam preparando todas as verduras do mesmo jeito que preparavam o arroz. Moral da história, para quem só conhece arroz fica difícil “entender” o repolho. Esse é um fator que dificulta o trabalho em equipes assim.

E como lidar com isso no dia a dia?
É necessário olhar com olhar de criança, de aceitação. A criança é uma esponja. Ela olha pra você sem julgamento, ela é só aceitação. As pessoas mais abertas e flexíveis conseguem isso mais rápido. A gente tem sempre que desconfiar do julgamento da gente. Desconfie das suas certezas. Daniela Almeida
Fonte:epocanegocios27/02/2012

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