30 janeiro 2012

Empresas tentam reduzir endividamento excessivo

Juros queimam lucro

A fixação dos analistas de ações pelo resultado operacional das companhias muitas vezes deixa escapar o impacto que as despesas financeiras têm no lucro e, principalmente, no pagamento de dividendos aos acionistas. O peso da dívida poder ser muito relevante. Em levantamento baseado em dados da Economatica, o Valor identificou pelo menos sete casos de grandes empresas em que o lucro operacional desaparece após o reconhecimento do serviço da dívida

A empresa de alimentos JBS acaba de concluir um processo de reestruturação de dívida por meio do qual pretende economizar cerca de R$ 350 milhões anuais em pagamento de juros.

A medida será relevante para a companhia, que faz parte de um grupo de empresas em que a conta financeira "consumiu" todo o ganho operacional gerado pelo negócio nos nove primeiros meses de 2011.

A fixação que os analistas de ações têm pelo resultado operacional das companhias muitas vezes deixa escapar o impacto que as despesas financeiras têm no lucro que sobra para recolhimento de impostos e, principalmente, pagamento de dividendos aos acionistas.

Mas em muitos casos ele pode ser relevante. Em levantamento feito com base em dados da Economatica, o Valor identificou pelo menos sete casos de grandes empresas em que o lucro operacional desaparece após o registro do serviço da dívida.

Juntas, as empresas de alimentos Marfrig, Minerva e JBS, as varejistas B2W e Globex e as companhias de infraestrutura Triunfo e Rede Energia tiveram lucro antes de impostos e resultado financeiro (Ebit, na sigla em inglês) de R$ 3,59 bilhões de janeiro a setembro do ano passado, o que equivale a 4,1% da receita obtida pelas companhias no mesmo período.

O mesmo grupo de empresas, no entanto, teve resultado financeiro líquido (já considerando as despesas e as receitas financeiras) negativo de R$ 5,17 bilhões, restando um saldo negativo de R$ 1,57 bilhão no lucro antes da incidência de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).

Em outras palavras, os credores ficaram com todo o resultado operacional gerado pelos ativos das companhias até setembro.

Entre elas, apenas a Minerva conseguiu apresentar saldo positivo na última linha do balanço no acumulado de janeiro a setembro, por conta de efeito fiscal.

Cada uma das sete empresas citadas apresentou essa situação no acumulado de janeiro a setembro, sendo que foram excluídas da amostra as companhias que claramente se enquadraram na mesma situação apenas por conta do efeito da alta de 18% do câmbio sobre a dívida em dólar no terceiro trimestre, como é o caso de Fibria, General Shopping, Braskem, Hypermarcas e Suzano.

Marfrig, Minerva e B2W tiveram resultado financeiro negativo maior que o lucro operacional nos três primeiros trimestres de 2011. No caso de Trunfo, JBS e Rede Energia, a situação se repetiu em dois trimestres. Na Globex, isso foi verdade no primeiro trimestre, enquanto no segundo a conta financeira consumiu 99% do Ebit e no terceiro trimestre a relação caiu para 94%.

O que a teoria e a prática mostram é que isso ocorre mesmo em empresas saudáveis durante os ciclos de investimento. As companhias tomam empréstimos, investem o dinheiro em novos projetos ou em aquisições no curto prazo, mas o retorno demora mais para aparecer.

Não existe uma regra de bolso que determine qual o limite de comprometimento do lucro operacional com as despesas financeiras líquidas.

Mas certamente não é normal que essa relação supere 100% de forma consistente. Nesses casos, é comum que haja um plano para reverter a situação. Seja por aumento dos resultados operacionais, venda de ativos, aumento de capital ou redução do custo do endividamento.

Além da JBS, que transferiu as dívidas da holding brasileira para a controlada americana para pagar menos juros, outras empresas do grupo também estão tomando ações para tratar da questão. A Marfrig vendeu operações de logística recentemente e trocou ativos com a BRF- Brasil Foods e a Rede Energia está em negociação para sua venda.

Minerva, B2W, Globex e Triunfo disseram que consideram sua estrutura de capital adequada e não preveem nenhuma medida específica para o curto prazo, confiando na melhora paulatina dos resultados operacionais.

Em resposta por e-mail, o diretor de relações com investidores da Marfrig, Ricardo Florence, disse que o foco principal neste ano está no aumento da geração de caixa "a partir da maior integração das unidades de negócio, buscando sinergias e melhoria nas margens, contribuindo assim para a desalavancagem gradual da empresa".

O executivo mencionou ainda que a empresa vendeu ativos de logística nos Estados Unidos e no Brasil por R$ 1 bilhão nos últimos meses, sendo que esse dinheiro deve engordar o caixa da companhia. "Temos medidas já implementadas e outras em implementação, como controle de custos e redução de despesas, permitindo estrutura de capital mais eficiente", disse.

Na Rede Energia, a assessoria disse que os executivos não comentariam o caso, uma vez que a negociação para venda do controle da companhia, conforme antecipado pelo Valor em dezembro, ainda está em andamento.

O departamento financeiro da Minerva também respondeu apenas por e-mail. A empresa disse que analisa sua capacidade de pagamento excluindo do resultado financeiro as despesas que não têm efeito caixa. Sob esse prisma (que ignora o regime de competência da contabilidade), o lucro operacional teria superado a despesa financeira líquida de caixa em R$ 61,9 milhões de janeiro a setembro.

Do ponto de vista de estrutura de capital, a companhia também considera seu resultado adequado, com o argumento de que, se for considerado um patrimônio liquido médio de R$ 500 milhões para o ano de 2011, o que exclui as debêntures obrigatoriamente conversíveis em ações no valor de R$ 200 milhões (que entram no patrimônio), "o capital do acionista está sendo remunerado a uma taxa de 12,38% até o terceiro trimestre". Esse resultado se sustenta porque a empresa possui uma conta de Imposto de Renda e CSLL positiva, deixando a última linha do balanço no azul.

Ao falar da controlada Globex, o diretor de relações com investidores do grupo Pão de Açúcar, Vitor Fagá de Almeida, disse que o endividamento da empresa é baixo, a despeito de as despesas financeiras líquidas consumirem praticamente todo o lucro operacional. "A Globex está num processo de integração e já deu lucro no terceiro trimestre", disse ele, que confia numa melhora consistente do resultado.

No caso da Triunfo, o diretor financeiro, Sandro Antônio de Lima, disse que não vê problema nos resultados atuais porque a empresa "está desde 2007 em um forte ciclo de investimentos". "O nível de endividamento da empresa é adequado e com perfil de longo prazo", afirmou, dizendo que com o passar do tempo os resultados operacionais devem crescer e reverter o quadro.

Mas apesar de garantir que a companhia não precisa de aumento de capital com o plano atual de investimentos, Lima diz que vê com bons olhos uma iniciativa desse tipo para o futuro, para elevar o percentual de ações em circulação e a liquidez dos papéis da companhia. "Mas não neste momento, porque o preço da ação está abaixo do que vale", disse. "Se o valor estivesse melhor faríamos sim [um aumento de capital], porque isso abriria mais espaço para oportunidades importantes de investimento", afirmou o executivo.

Por e-mail, a companhia de comércio eletrônico B2W lembrou que recebeu um aporte de capital privado de R$ 1 bilhão no início do ano passado e disse que o investimento que está fazendo, de R$ 358 milhões em 2011, tem impacto na relação entre a geração de caixa e o resultado financeiro. Segundo ela, esses "investimentos preveem um tempo de maturação e uma geração futura de caixa".

A empresa disse também que a análise do resultados dos nove primeiros meses distorce os dados, uma vez que 35% da geração de caixa da companhia se concentra no quarto trimestre. Considerando os 12 meses até setembro, e não apenas os três primeiros trimestre, a razão entre o resultado financeiro e o Ebit da B2W cai de 1,54 vez para 1,39 vez, ou seja, a relação continua negativa. Por Fernando Torres
Fonte:ValorEconômico30/01/2012

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