Uma das consequências mais profundas da atual crise financeira e econômica será a mudança do peso relativo dos atuais países industrializados e emergentes na economia mundial.
Desde a década de 1950, a principal fonte do crescimento econômico tem sido o consumo da classe média nos EUA e na Europa Ocidental. No caso americano, a participação do consumo na renda se manteve por todo o período em torno de 64%. O modelo de bem-estar construído nessa economia se baseia no uso de bens duráveis sempre renovados, na utilização ilimitada de energia e na expansão da oferta de crédito.
Ao longo do tempo, esse padrão de consumo se difundiu e conquistou o mundo. Tornou-se global. Um dos desafios mais importantes dos países emergentes tem sido estimular o crescimento de suas economias e promover a inclusão de parte de sua população no mercado de consumo. Nos últimos anos isso está ocorrendo, como no caso brasileiro - amplamente comemorado.
Olhando para o futuro, para onde irá a classe média com as tendências conhecidas de crescimento das economias industrializadas e emergentes?
Um estudo recente da OCDE realizado por Homi Kharas tenta responder essa pergunta analisando dados de 145 países que representam 99% do PIB e 98% da população mundial. Foi definido como classe média o conjunto de domicílios cujo dispêndio diário por pessoa se situa entre US$ 10 e US$ 100, no conceito PPP (purchasing Power parity). Mesmo tendo as cautelas necessárias para analisar os resultados, o movimento no sentido leste é impressionante.
Atualmente, 54% da classe média do mundo está nos EUA e na Europa, e representa 64% do total do consumo. A classe média da Ásia conta por 28% do total e por 23% do consumo. Em 2020 a participação relativa da classe média americana e europeia cairá para 32%, respondendo ainda por 46% do consumo total. Em 2030, americanos e europeus representarão 21% da classe média mundial e 30% do consumo. Os asiáticos, em 2020, já serão a maioria da classe média, com 54% do seu total, contando por 44% do consumo. Em 2030 chegarão a 66% e a 59%, respectivamente.
Esse movimento acompanha o que as tendências da economia indicam. Estimativas da equipe de pesquisa econômica do Bradesco sugeriam recentemente que a participação do G7 no total do PIB mundial cairá dos 40% atuais para 32%, enquanto a participação das sete maiores economias emergentes saltará de 28% para 38%. China, que participa hoje com 13% do PIB mundial, se equiparará em 2020 aos EUA, com 18% cada.
Em relação à população mundial, a classe média, que atualmente responde por 26% dos 7 bilhões de habitantes, recentemente comemorados, chegará a 60% dos possíveis 8 bilhões que estarão no planeta em 2030, dos quais 66% vivendo na Ásia.
Assim, nos próximos 10 anos deverão se incorporar à classe média mundial cerca de 1,4 bilhão e, até 2030, 3 bilhões de pessoas, na sua imensa maioria no continente asiático, principalmente na China e na Índia.
Quais os efeitos disso sobre a economia no longo prazo? Diferentemente dos EUA, na China o consumo representa só 30% do produto. Ela manterá o seu crescimento suportado por investimentos e saldos comerciais crescentes, quando o consumo se mover para dentro de sua região? Será possível expandir o padrão de consumo ocidental com uso ilimitado de energia, predominantemente não renovável, para um volume de consumidores três vezes maior do que o atual? Haverá uma tendência inflacionária decorrente do aumento de demanda por alimentos e energia?
Se o crescimento da classe média indica a possibilidade da manutenção do crescimento econômico nas próximas décadas, questões relativas ao padrão de consumo, sustentabilidade ambiental e inflação devem cada vez mais constar da agenda de preocupações com o bem-estar da população mundial. Cristine Lagarde, diretora-geral do FMI, já está prenunciando uma década perdida. Uma década passa rapidamente. Outras não poderão se perder. Por PAULO, PAIVA, PROFESSOR DA FUNDAÇÃO DOM CABRAL,
Fonte:estadao15/11/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário