A já antiga e conhecida guerra fiscal entre os Estados sobre benefícios fiscais de ICMS ganhou fôlego com recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a matéria e trouxe preocupação para o mercado brasileiro de fusões e aquisições.
São muitas as oportunidades de transações que podem envolver empresas que realizaram investimentos, construíram ou transferiram suas plantas industriais, centros de distribuição e operações de importação para Estados nos quais o principal - senão único - atrativo eram justamente os benefícios fiscais de ICMS. Atualmente, tanto essas empresas quanto compradores, que temem efetuar aquisições por valores artificialmente inflados por incentivos questionáveis, estão receosos em relação aos impactos das decisões do STF.
Esse tipo de benefício encontra fundamento no sistema adotado de repartição de receitas tributárias, que favorece o Estado de origem da mercadoria. Assim, para que as empresas reduzam o imposto incidente sobre as suas operações, basta subsidiar, por meio de um desses mecanismos, o ICMS que será pago ao Estado no qual irão se instalar e realizar suas atividades.
Contudo, justamente para preservar o pacto federativo e evitar distorções regionais foi estabelecida a necessidade de previa aprovação dos demais Estados por meio dos chamados Convênio Confaz. Dessa forma, a concessão unilateral de incentivos fiscais cria o risco de questionamentos por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin).
A due diligence fiscal é fundamental para negócios seguros e sem surpresas
Como a legislação é antiga, o ajuizamento de Adins é bastante frequente e as recentes decisões confirmam o entendimento consolidado do STF de que tais benefícios, quando não concedidos com a aprovação de outros Estados no âmbito do Confaz, devem ser revogados.
Tais decisões não sanaram as dúvidas geradas sobre as suas consequências práticas, em especial no que tange a eventual necessidade de o contribuinte que usufruiu tais incentivos ser obrigado a devolver aos cofres públicos o valor do benefício ilegal gozado durante anos, em contrapartida ao atendimento das condições que lhe foram impostas pelo Estado. O debate sobre o tema deve se prolongar, já que merece ser amadurecido e resolvido de forma a preservar a segurança jurídica e os direitos do contribuinte, ao mesmo tempo em que prestigia as decisões judiciais e moraliza o seu cumprimento.
Diante das incertezas, fica para os que negociam a compra de empresas incentivadas a recomendação de se fazer uma due diligence fiscal completa e profunda, na qual os incentivos sejam esmiuçados e corretamente avaliados. Ou seja, a due diligence fiscal adquire um papel fundamental na análise dos incentivos fiscais e para a realização de um negócio seguro e sem surpresas futuras, principalmente do ponto de vista do comprador.
A realização da due diligence fiscal propiciaria ao comprador apontar os principais pontos críticos e relevantes existentes na estrutura da sociedade incentivada; identificar qualitativamente e quantitativamente os riscos, passivos e responsabilidades oriundos dos benefícios fiscais detidos por uma sociedade, que seja objeto de compra e venda; identificar medidas para a eliminação ou minimização dos riscos fiscais relacionados aos incentivos fiscais, se for o caso; e finalmente, determinar a melhor forma e estratégia de estruturação da transação em virtude dos supostos riscos.
Além dos aspectos jurídicos, é de suma importância que o comprador também analise o aspecto comercial e o impacto do cancelamento de um benefício fiscal para uma determinada unidade fabril.
Se a due diligence fiscal constatar o possível passivo fiscal oriundo dos incentivos fiscais e se observado que tal passivo não está provisionado ou está provisionado inadequadamente, cabem ao comprador e vendedor em uma transação de M&A a negociação e elaboração das minutas dos contratos de compra e venda que contemplem a existência ou possível materialização deste passivo fiscal.
Do ponto de vista do comprador, este pode vir a exigir garantias para o fechamento da transação. Já o vendedor pode não estar tão disposto a oferecer qualquer garantia ou mesmo querer renegociar o preço. Nesta situação, o comprador tem de avaliar se aceita assumir integralmente o risco, devendo para tanto qualificar e quantificar adequadamente o risco durante o processo de due diligence.
Portanto, as recentes decisões do STF, embora não representem um entendimento novo do tribunal sobre o tema, indicam uma postura mais severa por parte da Corte e devem acarretar discussões importantes no ambiente das aquisições em virtude dos seus possíveis desdobramentos, ainda não totalmente claros nesse momento. Fica para os players desse mercado a difícil missão de avaliar os possíveis efeitos e encontrar a melhor forma de proteger os interesses de cada parte em uma negociação.
Nazir Takieddine e Adriana Stamato são sócios das áreas societária e tributária, respectivamente, de Trench, Rossi e Watanabe Advogados. Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.
Fonte:Valoreconômico 24/10/2011
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