23 agosto 2011

Ágio na aquisição de participação societária.

Um tema que vem gerando bastante polêmica no meio empresarial é a dedutibilidade, para fins da apuração da base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), das despesas relativas à amortização do ágio pago na aquisição de participações societárias avaliadas pelo método da equivalência patrimonial.

Isto porque, em que pese o artigo 7º da Lei nº 9.532, de 1997 permitir às empresas que, uma vez absorvido o patrimônio de uma sociedade na qual detinha participação societária adquirida com ágio por expectativa de rentabilidade futura, tomem a dedutibilidade fiscal das despesas com a amortização do ágio, o Fisco tem questionado diversas operações em que os contribuintes valeram-se de referido dispositivo legal.

Um dos principais pontos que tem provocado o questionamento pela fiscalização consiste no entendimento de que os fundamentos possíveis para o pagamento do ágio, arrolados nas alíneas do parágrafo 2º do artigo 20 do Decreto Lei nº 1.598, de 1977, não podem ser determinados em razão do motivo que levou a empresa a adquirir a participação societária, mas sim devem seguir uma ordem pressuposta, determinada por critérios econômico-contábeis.

Não encontra guarida jurídica a ordem obrigatória entre os fundamentos do ágio

Com efeito, de acordo com o referido parágrafo 2º do artigo 20, o registro do ágio deve indicar seu fundamento econômico, dentre os seguintes: alínea “a” – valor de mercado dos ativos superior ou inferior ao custo contábil; alínea “b” – valor de rentabilidade, com base em previsão de resultados nos exercícios futuros; e alínea “c” – valor do fundo de comércio, intangíveis ou outras razões econômicas.

Não raro, as aquisições de participações relevantes em empresas têm seu valor fixado com base na projeção de resultados futuros, mediante a utilização de conhecidos métodos, tais como o do fluxo de caixa descontado. Nessas situações, verifica-se qual o montante esperado de resultados futuros em dado período de tempo e, com base nessa informação, precifica-se a participação societária a ser negociada. O montante em que esse preço superar o valor patrimonial contábil da participação societária constituirá ágio pago pela investidora, fundamentado na rentabilidade futura da empresa.

Ocorre que a fiscalização alega não ser possível que, constatando-se a existência de ativos registrados a um custo contábil inferior ao valor de mercado ou importante fundo de comércio/intangíveis, todo o ágio pago refira-se à expectativa de rentabilidade futura. Para o Fisco, caso haja ativos subavaliados ou evidencie-se a importância do fundo de comércio/intangíveis na transação, primeiro deve-se alocar o ágio a esses itens e apenas o valor remanescente poderá ser caracterizado como atinente à rentabilidade futura.

Em outras palavras, haveria uma obrigatória ordem entre as alíneas do parágrafo 2º do artigo 20, estando sempre a alínea “b” em último lugar. Muitas vezes, tal entendimento, pelo menos no que tange aos ativos subavaliados, tem buscado guarida na doutrina contábil, cuja análise do tema, como não poderia deixar de ser, parte de premissas que não as jurídico-positivas.

Para os contabilistas, quando ocorre a aquisição de participação societária avaliada pelo método da equivalência patrimonial com pagamento de ágio, este deve ser atribuído, de maneira individual e específica, aos ativos contabilizados, em virtude da diferença do valor escriturado e do valor de mercado. O que sobejar será ágio por rentabilidade futura.

Conquanto se respeite a visão contábil exposta acima, não encontra guarida no ordenamento jurídico tal noção de ordem obrigatória entre os fundamentos do ágio. E assim se afirma por dois motivos: (i) o parágrafo 2º do artigo 20 dispõe que o fundamento econômico do ágio pode ser qualquer uma das três situações ali previstas, sem qualquer preferência entre elas; e (ii) a Lei nº 11.941, de 2009 consagrou, por ora, a ausência de efeitos fiscais para os critérios contábeis que divirjam das normas tributárias.

Isto é, ainda que se reconheça a obrigatoriedade da observância dos novos critérios contábeis engendrados a partir da edição da Lei nº 11.638, de 2007, há de se notar que as alterações promovidas pela Lei nº 11.941, no artigo 177 da Lei nº 6.404, de 1976, asseguram, para fins de apuração das bases de cálculo tributáveis, a prevalência das normas tributárias. Logo, como ainda vige em nosso ordenamento o mencionado artigo 20, este consiste no marco legal para o tratamento tributário do ágio e permite seu registro sem ordem obrigatória entre os fundamentos.

Em sendo assim, conclui-se que as investidas fiscais perante os contribuintes que procederam à dedução das despesas com a amortização do ágio pago por rentabilidade futura, fundamentadas em suposta ordem entre as alíneas do parágrafo 2º do artigo 20 do Decreto Lei nº 1.598, de 1977 e na consequente impossibilidade de todo o ágio pago referir-se à projeção de rentabilidade futura, carecem de suporte legal, estando lastreadas somente em normas ou lições contábeis. Igor Nascimento de Souza e Cassio Sztokfisz são sócios do escritório Souza, Schneider, Pugliese e Sztokfisz Advogados. Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.
Fonte:ValorEconômico23/08/2011

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