25 julho 2011

Quando a venda é apenas o começo.

Após faturar alto com a venda de empresas, homens de negócios viram investidores, partem para novos setores e arriscam concorrer diretamente com a antiga companhia.

O sobrenome emprestado teve de mudar. José Carlos Semenzato não é mais o Semenzato “da Microlins”. Hélio Vasone deixou de ser do “Hospital São Luiz” e Chaim Zaher já não atende por “dono do sistema de Ensino COC”.

Em comum, esses empresários recentemente embolsaram milhões, ao mesmo tempo em que tiveram de lidar com o vazio do dia seguinte à venda de suas empresas. Além do cartão de visitas, mudaram de escritório e de rotina, mas não quiseram parar.

De frente para a praia, em Miami, com uma Ferrari na garagem, Semenzato desfruta o terceiro mês de férias desde que vendeu a rede de ensino profissionalizante Microlins para o Grupo Multi, em junho de 2010. Entre compras no shopping e passeios na praia com a família, Semenzato se reuniu com banqueiros para estudar o mercado de qualificação profissional na Flórida.

“Aos 43 anos, dá para começar do zero e fazer tudo de novo”, diz o empresário, que depois da negociação com os donos da rede Wizard comprou apartamento em Miami, investiu em imóveis em São Paulo e aplicou R$ 10 milhões em seis franquias recém- criadas (por outros). “Quero ajudar a escrever novas histórias como a da Microlins.”

Com esse objetivo, oito meses antes de fechar negócio com o Grupo Multi, Semenzato montou uma nova empresa para investir no mercado de franquias, onde fez carreira. Hoje, ele tem participação em redes de restaurantes, numa clínica odontológica e tenta colocar no mercado uma máquina de fazer água – invenção de um empresário mineiro. Até o fim do ano, as franquias devem faturar, juntas, R$ 150 milhões.

Semenzato está bem resolvido: não trabalha mais 16 horas por dia, continua multiplicando seu patrimônio e já encara a venda da empresa primogênita como um prêmio pelos anos em que esteve à frente dela. “É como muitos empresários têm se comportado”, diz Pedro Zanni, professor do curso de gestão familiar da FGV.

Catequizados por fundos de private equity e pelo mercado de capitais, controladores de empresas familiares brasileiras estão aprendendo a deixar de tratar seus negócios como filhos. “Isso é importante, porque filho não se vende.”

Transações. No ano passado, segundo a consultoria PricewaterhouseCoopers, o número de transações de fusão e aquisição no País foi recorde e mais da metade dos negócios envolveu venda de controle. “O aumento está diretamente relacionado ao fato de as negociações estarem mais racionais”, diz Alexandre Pierantoni, sócio da PWC. “Ainda é difícil, mas houve um avanço.”

O empresário Chaim Zaher tentou resistir o quanto pode à venda do Sistema Brasileiro de Ensino (SEB) mesmo depois de abrir o capital da empresa, três anos atrás. “Sempre tive em mente que manteria o controle e que continuaria a atuar com determinação e dedicação”, lembra. Mas o mercado mudou, a concorrência se mostrou implacável e a necessidade de buscar novos financiamentos fez Zaher considerar a venda do negócio (ou de parte dele, como ocorreu).

Foi uma negociação difícil. A britânica Pearson, dona do Financial Times, ficou com a parte mais atrativa – o sistema de ensino COC, que inclui consultoria educacional e elaboração de material didático. Pagou R$ 613 milhões pela participação de 71% da família controladora e outros R$ 275 milhões aos minoritários.

Para quem começou como porteiro de escola há 40 anos e tornou-se dono de instituições de ensino, seria difícil abandonar o setor educacional. Zaher optou por um retorno às origens e voltou a se dedicar à administração de sua rede de ensino. No início do ano, assumiu o cargo de reitor de uma de suas universidades. “Nesses 12 meses, sobrou tempo para fazer o que mais gosto: ter contato direto com alunos e professores nas unidades, sem ter que me preocupar com investidores e cotação das ações.”

Os acionistas cobram profissionalização e transparência. Nas últimas duas décadas, eles dobraram os controladores de empresas familiares brasileiras, fazendo-os admitir que, embora sejam os pais do negócio, não são insubstituíveis à frente dele. “Algumas gerações de empresários não estavam acostumadas a ter sócios, a dividir o poder”, diz Wagner Luiz Teixeira, da Höft – Bernhoeft, Passos & Teixeira consultoria societária.

Esse foi o drama de Hélio Vasone, um dos sócios do Hospital São Luiz, vendido para a Rede D”Or em novembro. No comando da empresa fundada pelo sogro desde a década de 70, o empresário e a família passaram mais de seis anos se preparando para a venda. A profissionalização da empresa teve de vir acompanhada de um curso para aprender “o que podia e o que não podia fazer”. “É difícil limpar a mesa, mas pior ainda é se acostumar a não mandar no dia a dia”, diz o empresário de 75 anos.

De fato, ele não conseguiu parar de mandar: deixou o hospital e no dia seguinte reassumiu o escritório na Localfrio, empresa de frigoríficos e logística que pertenceu a seu pai e hoje é tocada por um de seus filhos. “São setores distintos, que têm em comum a prestação de serviço.”

Quarentena. Na transação de uma companhia, é de praxe que o vendedor se comprometa a respeitar um período de “quarentena”, em que não pode trabalhar para o concorrente ou empreender no mesmo setor. Muitos compradores, aliás, preferem manter o fundador no quadro de executivos, para aproveitar seu conhecimento da empresa e evitar contratempos na transição.

Aos 46 anos, Luiz Eduardo Rubião já teve a oportunidade de experimentar o antes e o depois da quarentena. A empresa de projetos de engenharia Chemtech, criada por ele em 1989, foi vendida para a Siemens em 2001. O grupo alemão comprou primeiro 51% do negócio e adquiriu o restante no fim de 2007, mantendo Rubião como executivo sob contrato até setembro de 2009. Ele não revela quanto ganhou na negociação, mas diz que foi o suficiente para voltar a empreender. “Eu não estava mais satisfeito com os longos processos de tomada de decisão, comuns em grandes grupos internacionais.”

Rubião deixou a Chemtech, subsidiária integral da Siemens, no dia 30 de março de 2010. Dois dias depois, abriu as portas da Radix. “Tive apenas um dia de sabático”, brinca. Um ano e meio depois, ele comanda uma empresa com 200 engenheiros, que espera faturar R$ 20 milhões em 2011 – cerca de um décimo da receita da rival Chemtech. Além de Rubião, que tem uma participação de 20% no negócio, outros sete ex-engenheiros da Chemtech são sócios da Radix.

Quanto maior a sociedade, mais difícil é decidir o futuro da companhia – principalmente quando os acionistas são de uma mesma família. É preciso deixar de lado o apelo emocional, dizem os consultores, e distinguir o que é patrimônio do que é a empresa. “Fundadores e herdeiros precisam entender que a venda da companhia vai resultar num aumento desse patrimônio”, diz Pedro Zanni, professor da FGV. A gestão dessas fortunas “pós-venda” costuma ser feita pelos chamados family offices.

Um bom exemplo de organização do patrimônio familiar vem do grupo pernambucano Tavares de Melo. Fundado nos anos 50, o conglomerado foi sócio ou proprietário de marcas como Maguary, Kibon e sandálias Dupé. Com a venda de negócios no setor de alimentos e bebidas e também na área de açúcar e álcool, o grupo reestruturou sua atuação: passou a investir em novos negócios e a participar dos conselhos de administração.

Para gerir o patrimônio, os sócios montaram um family office com dezenas de membros da família. “Temos vários investimentos juntos, mas também a liberdade de escolher isoladamente. Quando existe alguma oportunidade, todos são consultados do interesse de participar ou não”, conta Marcos Tavares Costa Carvalho, vice-presidente do grupo.

Essa liberdade de escolha foi aplicada no caso da Ebba, empresa de bebidas da qual uma parte da família é proprietária. A empresa, que fabrica a marca Dafruta e recomprou a Maguary da Kraft Foods, foi apresentada como opção de investimento, mas apenas parte dos parentes decidiu fazer o aporte. Hoje, a família mantém uma participação de 40% em um shopping de Recife, é dona de uma distribuidora de combustíveis e investe no mercado imobiliário no Brasil e nos Estados Unidos.

Via de regra, quem vende suas empresas quer fazer o dinheiro multiplicar. “Empreender está no sangue dessas pessoas”, diz a consultora Betânia Tanure. Mas há quem vá na contramão. Farid Curi, um dos sócios do Atacadão quando a rede foi vendida para o Carrefour em 2007 por R$ 2,2 bilhões, gastou parte do dinheiro com caniços, iscas e barcos e se entregou ao que mais gosta de fazer: pescar.

Hoje, é dono de uma revista especializada em pesca e começou a construir um hotel flutuante na Amazônia… para pescadores. Aos 74 anos, leva uma vida “sossegada” em São Paulo e já realizou quase todos os planos. Falta apenas um: viajar o mundo sem data para voltar. “Só não fui ainda porque falta companhia.”
Fonte:OEstadodeSão Paulo25/07/2011

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