Com as restrições impostas pelo Cade, como deverá ser a gestão do portfólio de produtos da Brasil Foods, marca resultante da fusão entre Sadia e Perdigão?
A semana foi bastante movimentada no terreno das fusões e aquisições. Não obstante a compra da Web Jet pela empresa Gol, a qual pouco alterará o quase duopólio existente, chamaram a atenção a aprovação da fusão entre Sadia e Perdigão pelo CADE, e o provável término do imbróglio que se tornou o caso Pão de Açúcar e Carrefour. Frustração e alívio foram os sentimentos dos principais protagonistas destas empresas, após um sem número de reuniões, noites sem dormir, viagens e negociações sem fim.
No caso do grupo Carrefour, acredito que pouco tenha se alterado com a saída do Pão de Açúcar do acordo, uma vez que os ativos que motivaram a compra; lojas em pontos estratégicos, funcionários, depósitos e marca reconhecida; seguem inalterados. Alguns cenários podem ser construídos a partir de agora, levando-se em consideração a possível venda da operação brasileira do grupo francês.
Uma eventual compra pelo Walmart - hoje terceiro lugar no ranking de supermercados - seria bastante provável. Fortaleceria a posição da rede na região Sudeste, cuja participação já é significativa nas regiões Nordeste e Sul através das marcas Bom Preço, Big, Mercadorama e Nacional. Outro concorrente que cresce a passos largos é a Cencosud - terceiro maior grupo chileno e quarto maior varejista brasileiro - atuante por intermédio das redes G. Barbosa e Bretas, adquiridas nos últimos anos e presentes no Nordeste e Centro-Oeste.
Vamos agora ao caso da BRF ou Brasil Foods. Apesar da demora, o CADE finalmente aprovou a fusão das gigantes dos alimentos processados. As restrições impostas - vendas de ativos, cancelamento de marcas por tempo determinado e proibição de lançamentos - visam manter a competitividade destes mercados, reduzindo o poder de concentração da BRF. Apesar da importância do tema concorrência, o artigo terá como foco a questão da gestão do portfólio de produtos.
Existe uma teoria no marketing cujo objetivo é estudar o portfólio de produtos de uma empresa, levando-se em consideração seu ciclo de vida. Denominada como BCG ou Boston Consulting Group, é composta por uma matriz dividida em quatro quadrantes, os quais são classificados como: (a) ponto de interrogação, (b) estrela, (c) vaca leiteira e (d) abacaxi, além de duas dimensões: crescimento e participação de mercado. Em resumo, uma empresa saudável teria muitas vacas leiteiras, diversas estrelas, alguns pontos de interrogação e poucos ou nenhum abacaxi.
Com relação ao ciclo de vida, os produtos podem se localizar em uma das quatro categorias: (a) introdução, (b) crescimento, (c) maturidade e (d) declínio, com investimentos e retornos diferenciados para cada etapa. Utilizarei os quadrantes da matriz BCG como base para nossa análise, assim como exemplos de produtos de consumo, os quais podem melhor ilustrar o caso BRF.
(a) Ponto de interrogação: em geral produtos no estágio de lançamento. Com baixa participação em mercados de alto crescimento, necessitam de campanhas publicitárias e ações no ponto de venda para que possam ser conhecidos pelo público. O lançamento de uma marca, a entrada em outra categoria ou um novo conceito - tais como bebidas a base de soja, sanduíches e pizzas para microondas, e alimentos funcionais, como iogurtes reguladores de intestino - são exemplos deste quadrante. Sob o ponto de vista de fluxo de caixa, é o período mais negativo, com grandes investimentos e baixos retornos.
(b) Estrelas: são os lançamentos que deram certo, atingindo participações significativas em mercados com alto crescimento. Apesar das vendas crescentes, são ainda dependentes de verbas de marketing para que possam se consolidar. Muito embora desejados pelas empresas, precisam passar pelo crivo dos consumidores, os quais escolherão quais pontos de interrogação seguirão adiante. Pense em quantos produtos aparecem e somem com a mesma rapidez das gôndolas dos supermercados. Criar uma cultura voltada para o lançamento de produtos inovadores e vencedores faz a diferença entre fracasso e sucesso empresarial, em diversos mercados.
(c) Maturidade: também chamados de vaca leiteira, devido ao excelente retorno financeiro que trazem aos caixas das companhias. Produtos maduros, com grande participação em mercados com baixo crescimento. Leite condensado, creme de leite, comida pronta para bebê, achocolatado, amido de milho e fermento, são alguns exemplos. Marcas centenárias utilizam sua força, estendendo sua linha de produtos. Os mais velhos se lembrarão do produto, cuja “energia dá gosto”, apenas como achocolatado. Pergunte agora aos mais jovens e veja quantos itens foram adicionados: tamanho, embalagem, forma e conteúdo, pó, barra, líquido, quente e gelado. Tamanho esforço se deve para mantê-lo como gerador de receita, financiando novos pontos de interrogação.
(d) Declínio: sugestivamente denominados de abacaxis, são compostos por produtos com baixa participação em mercados com baixo crescimento. Frutos de um mau gerenciamento de portfólio, concorrência ou situações externas, tais como mudanças nos gostos dos consumidores ou novos padrões de saúde e alimentação. Talvez se lembre de sua avó cozinhando com banha de porco. Apesar do cheiro peculiar e irresistível, tornou-se politicamente incorreto. Vender o negócio enquanto ainda se consegue, ou retirá-lo do mercado visando não comprometer a marca são algumas soluções possíveis.
Com base na teoria, a BRF perderá temporariamente parte de seus produtos maduros e rentáveis, os quais podem se tornar abacaxis em sua volta, daqui a alguns anos. Desta maneira, confiar em seu retorno para recuperar o espaço perdido pode ser uma ação arriscada. Como o acordo prevê a impossibilidade de introduzir novos produtos nestes mesmos segmentos, a estratégia da BRF deverá se concentrar em lançar diversos pontos de interrogação, os quais com a tradição das marcas-mães e a experiência das empresas, tornar-se-ão rapidamente estrelas e vacas leiteiras. Com tanta sinergia e concentração, dinheiro não faltará. Aos consumidores, apenas saudades de um tempo não tão longínquo, no qual podíamos exercer nosso direito de escolha, elegendo nossa marca predileta.
Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de quinze anos atua como executivo em empresas multinacionais.
Fonte:MetaAnálise19/07/2011
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