19 junho 2018

Após revés, Dakang põe à venda negócio de originação da Fiagril

"Fui chamado para fazer uma reestruturação e repensar onde a Fiagril vai atuar", disse Luiz Gustavo Silva, ex-Bombril

A habilidade dos chineses para os negócios foi colocada em xeque no agronegócio brasileiro. Dois anos após sua estreia no setor com a aquisição da Fiagril, em Mato Grosso, a Dakang, braço agrícola do Grupo Pengxin, decidiu colocar à venda praticamente toda a sua operação de originação de grãos no Estado. A intenção é limitar-se à distribuição de insumos para a lavoura, após um revés financeiro que obrigou os chineses a reavaliar seu posicionamento no mercado nacional de forma mais realista.

Os motivos que forçaram a decisão variam de problemas culturais de gestão a "esqueletos" que passaram despercebidos no processo de due diligence, como os altos índices de inadimplência. Isso provocou um descompasso de expectativas, atrasando o cronograma de investimentos como um todo no país. Além da Fiagril, a Dakang adquiriu, no início do ano passado, o controle da Belagrícola, do Paraná.

Conforme o Valor apurou, a Fiagril, que teve receita líquida de R$ 3,4 bilhões em 2017 (alta anual de 6,3%), pretende manter apenas três de seus 14 armazéns para soja e milho em Mato Grosso. Eles foram perdendo sentido na medida em que os negócios desaceleraram, num círculo perigoso de baixo fluxo de caixa, que limita a troca de insumos por grãos (o barter), o que mantém os armazéns vazios, sem gerar caixa.

A companhia contratou a consultoria McKinsey para um amplo estudo do negócio e uma reorganização geral da empresa. Paralelamente, a Dakang substituiu Carlos Kempff por Luiz Gustavo Figueiredo Pereira da Silva, ex-CEO da Bombril, no comando da Fiagril. O executivo estava na consultoria RK Partners, especializada em reestruturações.

"Fui chamado para fazer uma reestruturação e repensar onde a Fiagril vai atuar", disse Silva ao Valor. "A situação das tradings está complicada. É uma área com margens baixas. Muitas empresas, inclusive multinacionais, vieram para o Brasil e já estão saindo".

Amy Chan, diretora de investimentos da Dakang no Brasil, disse, por sua vez, que Fiagril está "muito melhor que os concorrentes, muitos deles em recuperação judicial".

Fundada em 1989 em Lucas do Rio Verde, por Marino Franz e Miguel Ribeiro, a Fiagril nasceu como revenda de insumos que cresceu de forma expressiva em Mato Grosso. Entrou na comercialização de soja e milho, na produção de biodiesel, sementes, adubos, armazenagem e logística. Em 2012, a empresa comercializou um volume expressivo de grãos de 2,5 milhões de toneladas.

As novas frentes, porém, exigiam elevado volume de recursos e restringiam a capacidade de usar capital próprio para tocar os projetos.

A Dakang tornou-se controladora ao comprar 57% de participação na Fiagril, em abril de 2016, por declarados US$ 200 milhões.

A velocidade com que o negócio entre os chineses e a Fiagril foi fechado impressionou até mesmo Kempff. "Foi muito rápido. Nunca vi algo assim. Conhecemos a Fiagril em dezembro de 2015, em fevereiro já começou o processo de due diligence e em abril foi assinado o acordo", relatou ao Valor em entrevista em janeiro de 2017.

A pressa tinha explicação: a Bunge. Parceira da Fiagril em Mato Grosso, a multinacional estava em conversas "bem encaminhadas" para a compra de controle da empresa, diz outra fonte que acompanhou as negociações. E não era a primeira aproximação entre as duas companhias. "Daquela vez eles [Bunge] levariam. Então os chineses correram. Não iam perder a chance de entrar no agronegócio brasileiro", afirmou.

O entendimento à época dos sócios – Marino, Miguel e o fundo americano Amerra, que entrou na participação acionária em 2014 com 25% – era de que a Fiagril havia chegado a um estágio que lhe permitia galgar o mercado global, e não ser apenas uma empresa regional. "A China se abria para eles", resume uma fonte. "Além do mais, a Bunge não teria interesse em fortalecer a marca Fiagril. Ela seria um complemento de seu negócio". Procurada, a Bunge não quis comentar.

"Só que não foi feito o due dilligence como deveria. Muitas pontas ficaram soltas", diz outra fonte.

Apesar do ânimo inicial, o cenário mudou rapidamente. Com estilo burocrático, a Dakang cometeu o primeiro erro do manual de aquisições: afastou os donos.

Marino Franz e Miguel Ribeiro, embora já não estivessem mais no operacional da Fiagril (apenas no conselho), perderam a dianteira das negociações de estruturação de crédito, que faziam olho no olho com o cliente. Com a chegada dos chineses, a gestão mudou radicalmente. A inadimplência de 10% a 15% por safra, comum no setor, assustou a nova gestão. Dívidas foram executadas. Muitos produtores não gostaram do tratamento e foram vender sua soja para a concorrência.

A substituição de Jaime Binsfeld na presidência da Fiagril por Kempff foi outro baque. Ex-presidente do Luverdense, principal time de futebol da Lucas (patrocinado pela Fiagril), ele era um interlocutor importante dentro da companhia.

"Os chineses se depararam com números que não entendem, práticas que não entendem e um nível de complexidade para alternativas de comercialização que não entendem. Viram muito dinheiro a receber do produtor em contratos renegociados", diz um ex-funcionária da Fiagril. "A concorrência tem uma cadeia extensa para diluir seus custos, nós não. Para quem não é industrializado, fazer trading é difícil. Os custos operacional e financeiro são muito altos".

A inflexibilidade chinesa nas negociações travou a estrutura de crédito e o pré-financiamento da safra. Menos produtores significam menos opções com quem trocar grão por insumos, e o dinheiro vai diminuindo num perverso efeito cascata. O fluxo de caixa estancou.

Fora do mundo rural, um sinal claro das dificuldades enfrentadas pela gestão da Dakang apareceu no campeonato de 2018: a Fiagril não renovou o contrato de patrocínio com o Luverdense. Por Bettina Barros e Kauanna Navarro |  Fonte : Valor Econômico Leia mais em alfonsin 19/06/2018

19 junho 2018



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