07 julho 2018

A GE busca uma luz

Um dos principais símbolos do capitalismo, a General Electric enfrenta uma crise sem precedentes. Para se reerguer, a empresa terá de cumprir um rigoroso plano de reestruturação. Um novo episódio complica ainda mais a situação: Daurio Speranzini Junior, CEO para a América Latina, foi preso, nesta semana, na Lava Jato

Na tarde de quarta-feira 4, Daurio Speranzini Junior, presidente para a América Latina da gigante americana General Electric (GE), receberia a reportagem da DINHEIRO para detalhar os impactos da reestruturação global da companhia, anunciada há menos de duas semanas, na subsidiária brasileira. O encontro, que aconteceria na sede da filial, no Jardim Panorama, região nobre da cidade de São Paulo, não chegou a acontecer. Na manhã daquele dia, o executivo foi levado à sede da Polícia Federal, onde foi preso na operação Ressonância, um desdobramento da Lava Jato que investiga fraudes em licitações do setor de saúde. A prisão do principal nome da GE na América Latina é o drama mais recente de uma série de problemas envolvendo o conglomerado industrial, fundado em 1892, pelo inventor da lâmpada elétrica Thomas Edison.
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Nas últimas semanas, a icônica empresa, que já foi símbolo do poder e do sucesso dos Estados Unidos, viu seu valor de mercado cair para US$ 116 bilhões, o mesmo patamar de 1995 (confira no gráfico abaixo), e teve, pela primeira vez na história, suas ações removidas do Dow Jones Industrial Average (DJIA), índice da bolsa americana que engloba as maiores empresas do país. Além disso, o resultado de importantes negócios do grupo, como a sua divisão de energia, vem despencando nos últimos anos. No segmento, a companhia anunciou que vai demitir mais de 12 mil funcionários, quase um quinto da força de trabalho da área. “Está claro pelos nossos resultados atuais que precisamos realizar mudanças radicais urgentes”, afirmou John Flannery, presidente da GE, dois meses depois de assumir o comando, em novembro do ano passado.

O retrato mais claro da crise sem precedentes que a empresa enfrenta é, talvez, a sua saída do DJIA. Ainda que não tenha um impacto relevante em termos financeiros, a remoção de seus papéis do índice é extremamente simbólica para a história da companhia. A GE entrou no Dow Jones no mesmo ano em que ele foi criado, em 1896, e ali permaneceu até o pregão de 26 de junho. A exclusão é um reflexo direto do mau desempenho de suas ações, que caíram mais de 50% do final de 2016 até hoje, e coloca em xeque a capacidade de a empresa se manter como uma potência industrial. “É um sinal dos tempos e um alerta para a companhia”, afirma Paulo Vicente, professor de estratégia e governança da Fundação Dom Cabral. “O mercado está dizendo que ela precisa se reinventar.”

A resposta da gigante foi imediata. No mesmo dia em que foi excluída do DJIA, a GE apresentou os detalhes finais de seu tão aguardado plano de reestruturação, prometido por Flannery quando assumiu a presidência. As mudanças passam, essencialmente, pela redução do tamanho do conglomerado. O grupo anunciou a separação de sua divisão de saúde, a GE Healthcare, que se transformará em uma operação independente, e a sua participação de 62,5% na Baker Hughes (BHGE), empresa do segmento de petróleo e gás, que foi adquirida há exatamente um ano, será vendida. Algumas meses antes, a GE já tinha confirmado a intenção de sair do negócio de fabricação de locomotivas.

Denúncia do MPF: Acima, um trecho do pedido de prisão, emitido pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal do Rio de Janeiro, citando o suposto envolvimento da GE nas fraudeS
Com a conclusão da reestruturação, prevista para ocorrer no prazo de dois a três anos, a GE se tornará uma empresa com um faturamento inferior ao que detinha 20 anos atrás. A cisão dos dois segmentos deve derrubar a receita líquida da companhia, hoje de US$ 122 bilhões, para cerca de US$ 90 bilhões. Em 1997, a empresa registrou vendas de US$ 91 bilhões. “Posicionar a divisão de saúde e a BHGE fora da estrutura da GE será positivo não apenas para a empresa e seus donos, mas para os dois negócios, que poderão fortalecer suas posições e aumentar a capacidade de investir”, disse Flannery. Os investidores parecem ter concordado com a leitura do executivo.

Os preços das ações da GE subiram quase 8% no dia do anúncio da reestruturação, enquanto o DJIA praticamente andou de lado, com uma ligeira alta de 0,13%. “As mudanças eram necessárias, dado que a estratégia anterior claramente não estava funcionando”, afirma Richard Meckler, presidente da gestora Liberty View Capital Management. “Flannery trouxe uma abordagem completamente nova para a GE.” Uma das razões evidentes para a notícia ter sido bem recebida é a perspectiva de que a nova estratégia simplifique o complexo conglomerado, abrindo espaço para a empresa melhorar os resultados de seus segmentos principais. O plano da GE é ficar apenas com três áreas: equipamentos para a indústria de energia, geração de energias renováveis e fabricação de motores e peças para a área de aviação. Hoje, esses segmentos representam perto de 60% da receita da gigante americana.

O plano de reestruturação passa também pela expectativa de amortizar US$ 25 bilhões da dívida líquida da companhia, reduzindo a alavancagem para menos de 2,5 vezes a geração de caixa. Em seu anúncio, a GE se comprometeu ainda a reduzir os custos operacionais em pelo menos mais US$ 500 milhões até 2020, sem considerar os cortes já previstos, como as 12 mil demissões. Para Nick Heymann, analista do banco de investimentos Willian Blair & Company, as medidas são positivas. Em relatório enviado a clientes, o banco americano destacou que há um bom potencial para a valorização e recomendou a compra das ações. Por enquanto, as mudanças estão apenas no plano das ideias. Para que a empresa de fato comece a caminhar na direção de uma melhora consistente, a estratégia precisa sair do papel.

Na berlinda: Daurio Speranzini Junior (à direita), chega à sede da polícia federal, em SP, na quarta-feira 4, após ser preso na operação ressonância (à esq.). O executivo ingressou na General Electric em 2014. Desde janeiro deste ano, ele liderava a operação do conglomerado industrial na América Latina (Crédito:Marivaldo Oliveira | Thiago Bernardes/Frame)
Diante do cenário ainda incerto e das crises recentes que o grupo enfrentou, a prisão de Speranzini, o presidente da GE para a América Latina, não poderia ter vindo em um pior momento. A notícia adiciona mais uma peça a um quebra-cabeça complexo de ser solucionado e coloca uma nuvem negra em cima de toda a operação da América Latina, mercado importante para os resultados da empresa e que tem crescido em um ritmo expressivo. No ano passado, a região faturou US$ 8,8 bilhões, uma expansão de 14%, a maior registrada em todo o grupo. “Mesmo que a investigação não atinja a GE diretamente, o anúncio da prisão do CEO afeta, de qualquer forma, o clima organizacional da empresa, que provavelmente já deve estar abalado com o anúncio da reestruturação”, afirma Felipe Borini, pesquisador e coordenador do Observatório de Multinacionais da ESPM.

A prisão de Speranzini ocorreu dentro da operação Ressonância, braço da Lava Jato no Rio de Janeiro. O executivo é acusado de participar de um esquema de fraudes em licitações da Secretária de Saúde do Rio de Janeiro e do Instituto Nacional de Traumatologia (Into). O Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal identificaram um cartel de fornecedores que atuou entre os anos de 1996 e 2017 junto aos dois órgãos. De acordo com a denúncia, a empresa Oscar Iskin era a líder da organização, formada por pelo menos 33 companhias, que se reuniam no chamado “clube do pregão internacional”. O núcleo principal era mantido por funcionários de confiança da Oscar Iskin, que eram responsáveis por fazer a ligação entre o setor público e os empresários, direcionando as licitações para as companhias que integravam o cartel.

O envolvimento de Speranzini no esquema remonta à época em que o executivo era presidente da divisão de saúde da multinacional Philips no Brasil. Há indícios, no entanto, de que o executivo manteve as práticas ilícitas depois que saiu da empresa e quando já trabalhava na GE. O MPF não solicitou busca e apreensão na empresa, mas a íntegra do pedido de prisão, ao qual DINHEIRO teve acesso, aponta que o grupo foi citado, por um dos delatores, como integrante do “clube do pregão internacional” (leia os trechos ao longo da reportagem).

Práticas ilegais: em outra passagem do pedido de prisão, o Ministério Público Federal afirma que há indícios de que Speranzini prosseguiu com os atos ilícitos após a saída da Philips
Em comunicado, a General Electric afirma que as alegações referem-se apenas a um período em que o executivo trabalhou para uma companhia sem relação com a GE. “A empresa reforça que está profundamente comprometida com integridade, conformidade e o estado de direito em todos os países em que opera, assim acredita que os fatos serão esclarecidos ao longo da investigação”, destacou a companhia em nota. Além da crise desencadeada com a prisão do principal executivo do Brasil, a operação da GE no País sofrerá mudanças significativas com a reestruturação global da empresa. A companhia informou à DINHEIRO que, no Brasil e na América Latina, a divisão de saúde também deixará de fazer parte da GE, reportando-se à nova empresa independente que surgirá a partir da cisão. O segmento de saúde é um dos que têm apresentado o melhor desempenho no País.

Segundo a GE Brasil, a separação será positiva para o negócio. “Dentro de um conglomerado, os investimentos acabam sendo definidos de acordo com uma visão de grupo”, afirmou a empresa, por e-mail. “Já em uma empresa independente, o foco é total naquele negócio. E isso beneficiará a GE Healthcare.” Assim como nos EUA, a filial brasileira também deve deixar de operar na área de petróleo e gás no prazo de até três anos. O segmento já vinha reportando problemas no Brasil, por turbulências no mercado interno e global, além de questões ligadas à crise envolvendo a Petrobras, principal empresa do setor no País. O mercado brasileiro é hoje o terceiro maior da GE, atrás apenas dos EUA e da China. Em 2017, o faturamento da região cresceu 11,8%, chegando a US$ 3,8 bilhões.

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A ORIGEM Os motivos que levaram a GE à crise remontam à gestão do executivo Jeff Immelt, que ficou 16 anos à frente do negócio, após suceder o lendário Jack Welch, em setembro de 2001. Para analistas ouvidos pela DINHEIRO, uma série de decisões equivocadas da administração de Immelt, somada ao impacto devastador da crise financeira de 2008, levaram a empresa ao cenário atual. “Os erros da GE desde seu auge em 2001 poderiam preencher um livro”, diz Meckler, da Liberty View Capital Management. “Mas, o mais importante, é que a empresa estava extremamente alavancada em ativos financeiros na época em que a crise dos subprime estourou.”

No período, a divisão financeira da companhia, a GE Capital, era a mais importante do conglomerado, representando quase 50% de toda a receita líquida. Além disso, de 2002 a 2006, a GE Capital aumentou sua alavancagem de 6,6 vezes para 8,1 vezes a geração de caixa. Para piorar a situação, a empresa tinha comprado, em 2004, a WMC Mortage, companhia que atuava justamente com as hipotecas subprime, títulos que acabaram desencadeando a crise financeira global. A situação impactou diretamente os resultados da área, que perdeu metade de seu faturamento nos anos seguintes. Segundo o presidente da Liberty View Capital, o impacto fez também com que a gigante industrial tivesse que vender ativos a preços muito baixos e contribuiu para que os custos da empresa para tomar empréstimos aumentassem de forma significativa.

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Depois da recessão americana, a GE reconstruiu sua operação ao diminuir drasticamente a participação da divisão financeira na estrutura da companhia. Decisões equivocadas, no entanto, seguiram prejudicando a empresa nos anos seguintes. “Duas questões críticas afetaram a companhia: a má alocação de capital, com uma série de aquisições feitas em momentos ruins e a preços excessivamente caros, e as diversas recompras de ações, também em valores elevados”, afirma Heymann, do banco Willian Blair & Company. No segmento de petróleo e gás, dois exemplos recentes são a compra da Alstom, em 2015, por US$ 10,6 bilhões, e a aquisição de participação na Baker Hughes, em julho do ano passado, por US$ 7,4 bilhões.

Nenhuma das transações deu o retorno esperado. A relação de transações criou também uma estrutura pesada e centralizada em um único negócio, o que tornou a administração extremamente complexa. Prova disso são as dificuldades enfrentadas pelo principal segmento de atuação da empresa, a divisão de energia. Por má gestão, redução da demanda global e investimentos mal calculados, a área vem apresentando resultados ruins nos últimos anos. Em 2017, o lucro líquido da divisão caiu 45% e a receita 2%. No , primeiro trimestre deste ano, o faturamento recuou ainda mais, 9%, na comparação anual, e o lucro, outros 38%.

Antes da queda: em 2001, quando Jack Welch deixou a presidência, a GE era a maior empresa de capital aberto do mundo, com um valor de mercado de mais de US$ 400 bilhões
A participação da GE na crise de 2008, além de ter prejudicado significativamente os resultados no período, deixou uma herança que veio bater às portas da companhia apenas neste ano. Em fevereiro, a gigante industrial revelou que está sob o risco de um potencial processo do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. A acusação do órgão é de que a GE Capital e a já extinta WMC Mortage teriam violado a lei americana na emissão e na venda de títulos de hipotecas subprime em 2006 e 2007.

No comunicado enviado ao mercado, a GE disse que estava tentando chegar a um acordo com o Departamento de Justiça, mas que se não fosse bem-sucedida, o órgão poderia iniciar processos legais contra a companhia. “A maior incerteza que os investidores da GE enfrentam hoje é esse litígio regulatório e legal”, diz Heymann, da William Blair & Company. A grande meta de Flannery é reinventar o centenário conglomerado para mais um século de sucesso. Com a quantidade de problemas que o executivo enfrenta, no entanto, ele terá que trabalhar sem descanso para que a luz da GE volte a brilhar. Pedro Arbex Leia mais em istoedinheiro 05/07/18 
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