26 janeiro 2018

Cresce temor de bolha no setor de aquisições

A indústria de investimentos normalmente opera sob uma lógica simples: os administradores de recursos vendem aos clientes sua ideia de como investir melhor e os persuadem a entregar-lhes o dinheiro.

A história foi diferente quando a CVC Capital Partners, grupo de private equity mais conhecido pela aquisição da Fórmula 1, quis criar um novo fundo, em 2017. Foram os investidores quem correram clamando para poder participar do fundo. .. Leia mais em valoreconomico 26/01/2018
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CRESCE TEMOR DE BOLHA NO SETOR DE AQUISIÇÕES

David Rubenstein, do Carlyle: Quando a aquisição é apropriada, experiência no setor e rede global trazem vantagem

A indústria de investimentos normalmente opera sob uma lógica simples: os administradores de recursos vendem aos clientes sua ideia de como investir melhor e os persuadem a entregar-lhes o dinheiro. A história foi diferente quando a CVC Capital Partners, grupo de private equity mais conhecido pela aquisição da Fórmula 1, quis criar um novo fundo, em 2017.

Foram os investidores quem correram clamando para poder participar do fundo. O maior fundo do segmento alugou cerca de 20 quartos no Savoy Hotel, na região central de Londres no início de 2017, para que os investidores fossem se reunir com gerentes sênior. Tratados mais como celebridades do que como gestores de investimento, as "estrelas" da CVC estavam à disposição dos investidores interessados em colocar dinheiro no fundo que vinha recebendo ofertas de recursos muito acima das esperadas.

"A cada 45 minutos, trocávamos [de gerente]", diz um investidor de longa data em fundos da CVC, que a cada vez se reunia com um executivo diferente, na esperança de que eles os deixassem entrar no fundo. "Queríamos nos certificar de que os gerentes gostassem de nós e ficassem conosco. É difícil conseguir fazer [nosso] dinheiro trabalhar nos dias de hoje."

Outro sinal das condições febris do mercado é o fato de que os grupos de private equity não apenas vêm batendo recordes na captação de fundos, mas também recusando dinheiro em uma escala nunca vista antes.

A CVC identificou uma demanda de investidores interessados em entrar com ? 25 bilhões a ? 30 bilhões em seu novo fundo de ? 16 bilhões em 2017. Mais recentemente, a Bridgepoint, grupo de private equity dono da rede de lanchonetes Prêt A Manger, recusou ofertas de ? 5 bilhões, segundo fontes a par de suas operações para levantar recursos. Outros vêm cedendo à tentação de aceitar mais dinheiro do que desejavam: esperava-se que o Partners Group levantasse ? 2 bilhões para um novo fundo, mas a firma acabou com ? 6 bilhões em mãos para investir.

O mercado de aquisições está com tudo. Os fundos vêm levantando mais dinheiro do que podem investir, beneficiadas pelos juros baixos oferecidas por outras classes de ativos.

O volume das aquisições subiu 27% em 2017, segundo a Thomson Reuters, e acredita-se em uma aceleração neste ano, catapultada pelo recorde de US$ 1,1 trilhão de dinheiro prometido pelos investidores em 2017.

Passados apenas cerca de dez anos da crise financeira, esses sinais também são alarmantes, pois indicam que a maré de expansão do setor de private equity poderia virar completamente - uma vez que os preços das empresas estão nas alturas, como resultado dos negócios rápidos e agressivos que vêm sendo assinados.

O tamanho das transações recentes supera o dos picos pré-crise e o financiamento por dívida aproxima-se de patamares recorde. Há dez anos, uma série de firmas especializadas em aquisições teve que fechar as portas após um período similar de atividades frenéticas. "É bem surpreendente que o alcance da memória coletiva não vá alem de cinco anos ou que o mundo seja organizado de tal forma que a história fique se repetindo", diz Ludovic Phalippou, professor da Universidade de Oxford.

Entre os meganegócios mais notáveis dos últimos 12 meses estiveram a venda por US$ 18 bilhões da divisão de chips de memória da Toshiba na Ásia para um consórcio liderado pela Bain Capital, que passa por um processo de aprovação antitruste, e a compra da fornecedora de materiais de escritório Staples pela Sycamore Partners, nos EUA, por US$ 6,9 bilhões. Em alguns casos, os preços pagos chegam a múltiplos do lucro bem maiores do que há dez anos.

Uma das transações mais caras de 2017 foi a compra da maior processadora de pagamentos da Escandinávia, Nets A/S, pela Hellman & Friedman (H&F), por US$ 5,3 bilhões - 30% a mais do que o preço das ações antes das especulações sobre o negócio. O valor representou 24 vezes o lucro líquido. O preço foi tão alto, que o Patrick Healy, um dos executivos-chefes da H&F, fez um alerta sobre os valores. "Hoje, sempre que você compra algo [é] pelo preço mais alto", disse Healy, depois da aquisição.

O leilão da divisão de especialidades químicas da Akzo Nobel, por ? 8 bilhões a ? 12 bilhões, já vem gerando uma concorrência feroz entre consórcios de gestores de private equity, incluindo um grupo formado pela Advent International e pela Bain Capital. CVC e KKR estavam interessadas, mas saíram da corrida por temer que a transação chegaria a preços muito altos, segundo fontes do mercado. "O cenário de captação de recursos para private equity é extraordinário", diz Alison Mass, chefe de investimentos estratégicos do Goldman Sachs. Alguns dos maiores nomes deverão ir atrás de negócios multibilionários neste ano. "Temos diálogos frequentes com nossos maiores clientes no que se refere a alvos de mais de US$ 10 bilhões", disse. "Desde que haja vendedores desse tipo, o apetite e o capital vão estar lá."

Os maiores motores da onda de aquisições são os mesmos que impulsionaram o setor antes de 2008: dívidas baratas e uma imensa montanha de dinheiro. As compras de títulos de dívida pelos principais bancos centrais do mundo, que mantém os juros baixos, também deram impulso às gestoras de private equity. Para essas empresas, a dívida barata é ferramenta para aumentar a alavancagem e assinar contratos cada vez maiores.

Paralelamente, grandes investidores, como fundos de pensão e fundos soberanos, estão desesperados em busca de um lar para seu dinheiro que ofereça retornos melhores do que os rendimentos insossos dos bônus. Tamanho das transações recentes supera o dos picos pré-crise, com emissão recorde de dívida Graças à enxurrada de dinheiro, o setor passou a ser uma das principais classes de ativos nos mercados financeiros, com US$ 3 trilhões sob administração, segundo a Preqin. Só nos EUA, há cerca de 7,5 mil empresas, com 11 milhões de funcionários, pertencentes a grupos de private equity. No Reino Unido, são 2.980.

A Leveraged Commentary and Data, uma unidade da S&P Global, registrou na Europa um dos meses de dezembro mais movimentados na emissão de empréstimos alavancados que já se teve notícia. Neste ano, a empresa prevê que não teremos um "janeiro seco", como acontece, de tantos negócios que estão esperando para serem concretizados. "As condições para captar dinheiro são incrível e despudoradamente atraentes", disse um especialista de private equity.

As grandes gestoras de private equity vêm acumulando imenso poder de fogo e encaminham-se a atrair ainda mais capital nas próximas décadas. Na outra ponta do mercado, há um número recorde de 770 fundos de private equity em busca de capital pela primeira vez, de acordo com a Palico, um mercado on-line para fundos. É 48% a mais do que o recorde anterior, de 520, verificado em 2008. "O ambiente para levantar fundos está muito sólido", diz Michael Wolitzer, chefe da área de fundos do escritório de advocacia Simpson Thacher & Bartlett.

Apesar das condições favoráveis, ainda é possível ver repercussões de sobra dos investimentos desastrosos feitos na maré de alta anterior à crise. A agressividade dos negócios assinados antes de 2008 sobrecarregou as carteiras de investimento de muitas empresas com dívidas que saíram pela culatra. Várias gestoras - como Candover, no Reino Unido, e a Hicks Muse, Tate & Furst, nos EUA - quebraram depois de 2008, em parte, derrubadas pelo peso de dívidas e de aquisições mal planejadas.

A torrente de dinheiro pode tornar mais fácil a tarefa dos gerentes de levantar novos fundos, mas por outro lado a forte concorrência torna mais difícil encontrar alvos com preços atrativos para investir - da mesma forma que aconteceu há dez anos. Os níveis de alavancagem usados nas aquisições nos EUA aproximam-se dos picos anteriores à crise.

Nas transações em 2017, o endividamento médio foi 5,8 vezes o lucro das empresas-alvo, segundo a LCD, unidade da S&P Global Market Intelligence. É só um pouco inferior ao múltiplo médio de 6,2 visto em 2007. Também é bem próximo ao limite de 6 vezes traçado pelas autoridades reguladoras dos EUA, para quem qualquer número acima disso "levanta preocupações" de que os negócios estejam assumindo demasiado risco e possam deixar as empresas incapazes de pagar ou reduzir suas dívidas.

As firmas de private equity também operam em um cenário político mais hostil do que há dez anos, em especial na Europa, onde os críticos condenam as turbulências que podem acompanhar as reestruturações pós-aquisições.

O mar de dinheiro também torna mais provável que os grupos especializados em aquisições tomem decisões mal pensadas, alerta Bill Ford, executivo-chefe da General Atlantic, uma firma de private equity com US$ 21 bilhões de ativos sob administração. Ele diz que a falta de disciplina já "começa a acontecer". No fim do ciclo [as firmas de private equity] se justificam dizendo: "é uma boa empresa e estou pagando muito, mas posso recuperar no mercado de captação de fundos enquanto ele 'estiver forte'." "Essa dinâmica de captação de fundos influencia o comportamento. Estamos vendo isso exatamente agora."

Alguns gestores de private equity garantem que se contentam em esperar pela oportunidade certa para investir, apesar do volume de dinheiro que vai se acumulando. David Rubenstein, cofundador e co-executivo-chefe do Carlyle Group, assegura que firmas como a dele ainda podem "ter vantagem", mesmo quando os valores dos ativos estão altos. "Quando a aquisição é apropriada, nossa experiência no setor e rede global nos dão essa vantagem", diz. "Caso contrário, não deveríamos fazer o negócio e não fazemos."

A gestora acaba de ter uma grande baixa contábil no valor de seus investimentos na Philadelphia Energy Solutions, depois que a refinaria entrou com pedido de recuperação judicial, com dívidas superiores a US$ 600 milhões, afetada por exigências regulatórias.

O lado bom é que mesmo com maior dificuldade para conseguir boas aquisições, as firmas de private equity ainda vão conseguir gerar retornos melhores do que a maioria dos demais ativos. "Os retornos podem não ser tão bons quanto no passado. Mas não são abstratos", diz Johannes Huth, chefe da KKR, na Europa. "Os retornos que o private equity produz [em relação] aos que se consegue nos mercados de ações ou crédito vão continuar extremamente atraentes."

O lado negativo é que, com ainda mais dinheiro fluindo para o setor, isso vai acabar derrubando os retornos à medida que os investidores continuarem pagando alto pelas aquisições. Pesos pesados do mercado, como Rubenstein, da Carlyle, já avisaram que provavelmente esse será o caso. Para alguns observadores, esse cenário traça um panorama de riscos ainda maiores, no qual a intensa concorrência por negócios pode levar a uma série de más escolhas de investimento em empresas que teriam dificuldades para lidar com pesados endividamentos.

Em algum ponto, isso poderia resultar em mais firmas de private equity entrando no vermelho ou mesmo quebrando. "É inevitável que aconteça um cataclismo", diz o professor Phalippou. "A combinação de preços exagerados e alta alavancagem não pode levar a nada além de vários calotes, o que por sua vez vai afetar muitas pessoas, desde funcionários e clientes a aposentados cujas economias foram aplicadas nesses pacotes excessivamente generosos de dívidas." (Tradução de Sabino Ahumada) Publicado em 26/01/2018 por Valor Online Leia mais em gsnoticias 26/01/2018

26 janeiro 2018



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