05 agosto 2017

'Tenho ouvido muito 'o pior já passou'', diz ex-BC

Descolou ou não descolou? O debate sobre a separação entre economia e política cresce à medida que os dados vão nos mostrando que ela é uma realidade. Nesta sexta-feira, soubemos que a produção de veículos subiu 17,9% em julho. As vendas tiveram desempenho bem menor porque foi quase tudo para exportação, mas foram positivas em 1,9%.

 “A atividade está se recuperando, veja os dados de veículos que saíram hoje (4). Há seis meses, se a gente espalhasse os dados econômicos nesta mesa de reunião estaria tudo vermelho. Hoje já aparecem pontos verdes. A predominância é de crescimento sobre queda”, disse Gustavo Loyola, em entrevista exclusiva ao Blog em seu escritório na Tendências Consultoria.
Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central

Credibilidade é a âncora da coisa toda, entendi da conversa com Loyola. Ela que explica a calmaria dos mercados enquanto Brasília pega fogo. A permanência de Henrique Meirelles, seus secretários, de toda equipe do Banco Central com Ilan Goldfajn à frente. Até das estatais, como Petrobras e Eletrobras, se vê a mesma condição. Já não é de hoje que está claro onde está o risco de tudo piorar de repente, mesmo com duas estradas separadas entre a política e a economia. Há outros.

O economista foi presidente do Banco Central há mais de 20 anos e tem uma visão madura do atual quadro brasileiro. Com tanta “fumaça” na política, a economia pode ficar embaçada. O que as últimas duas semanas mostram é que os “pontos verdes” que têm saltado na mesa de reunião dos dados econômicos parece que vão aumentar. Devagar e com pouca força, mas tudo indica que é consistente.

“A força é fraca, não vai dar para crescer muito. Nós estamos saindo de uma depressão para um baixo crescimento e, eventualmente em 2018, podemos chegar a algo entre 2,5% e 3%. Tem um estado geral de pessimismo com país, com tudo que está acontecendo. O noticiário político é negativo, as pessoas estão céticas. Mas a recuperação está acontecendo”, disse.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista:

Por que os dados de confiança ainda estão negativos? 
A correlação entre a confiança e a atividade não é tão forte como se suspeitava. Nós vimos várias situações em que, enquanto um melhorava, o outro piorava; ou um melhorava e o outro piorava. A confiança, então, não necessariamente tem um efeito direto na atividade. Claro que a persistência num cenário negativo vai afetar a economia. O que afeta mais do que a confiança é a insegurança.

Qual a sua expectativa para a eleição de 2018? 
 O Meirelles falou hoje que já está todo mundo perguntando sobre as eleições. Para nós também, aqui na Tendências. Os empresários e os nossos clientes estão perguntando cada vez mais. Mas não temos muita resposta. Está muito incerto ainda o quadro.

Mas então como pode a economia estar se descolando assim? 
É como se tivessem duas estradas levando ao mesmo objetivo. Uma é a estrada da economia, das reformas, que tem lá o seu curso, seu caminho. Tem outra estrada que é a do combate da corrupção, da punição dos responsáveis. Evidentemente as duas estradas são paralelas agora, mas em algum momento elas devem convergir para o desenvolvimento do país.

As pessoas, os mercados, os analistas, todos estão mais insensíveis aos escândalos?
Não é que as pessoas, ou o mercado, sejam insensíveis à corrupção. Há sim uma percepção de que a Lava Jato é uma coisa positiva para o país, com críticas aqui ou acolá. Por outro lado, há uma percepção de que o país precisa da política, ou dos políticos, para que alguma mudança aconteça. Ninguém tem a ilusão de que se colocarmos o Moro (juiz Sérgio Moro) na presidência vai resolver os nossos problemas. Não é assim, a gente precisa da política. E todos queremos o combate à corrupção. O que não se deseja agora, é que uma estrada prejudique a outra no curto prazo.

E da política o que podemos esperar? Reforma da Previdência? Outras reformas? Uma ajuda substancial para o governo resolver a crise fiscal?
Existe uma crença de que o governo vai continuar adotando medidas que revertam a trajetória crescente dos gastos públicos. É mais do que uma crença, é uma percepção de que o Michel Temer ainda tem capital político para produzir uma reforma da Previdência, se não tão abrangente como antes, que dê certo fôlego às contas públicas. Há outra percepção importante de que uma saída de Temer agora não mudaria muita coisa, desde que a equipe econômica continue lá.

Quais os principais riscos?
O primeiro risco é se ocorrer algo que leve à saída da equipe econômica. Isto não pode acontecer. O outro risco pode surgir no horizonte se aparecer um candidato forte no ano que vem, um cara que vá mudar a política econômica, que vá nos levar de volta ao que tínhamos antes. Há um risco menor também vindo do exterior. Agora, o Brasil tem sorte por pegar um bom momento da economia internacional, com muito capital e pouca aversão ao risco. Mas se alguma coisa de grave acontecer lá e abortar esta onda positiva, vamos sentir.  

A agricultura vai continuar ajudando a economia. As outras “fontes” do PIB vão se ajeitar mais lentamente. Mas, e o desemprego? Está crescendo a informalidade.. 
As recontratações estão voltando aos poucos. E a informalidade tende a crescer sim em momentos de recuperação da economia. Imagine uma família que teve que demitir a empregada doméstica. Agora que a coisa melhorou um pouco, eles decidem ter uma diarista e não vão assinar a carteira dela. É assim que acontece mesmo. Mas isso já devolve renda para muita gente, dinheiro no bolso. Você já viu um país com desemprego altíssimo em que a renda sobe? Pois é o que está acontecendo aqui. É por que os salários aumentaram? Não, porque a inflação está caindo.

O que você ouve dos empresários que conversa sobre o negócio deles?
Eu tenho ouvido muito ‘o pior já passou’. Não é que eles estejam satisfeitos com a situação atual. Não estão, não. E este ‘pior’ também não ficou para trás só porque a economia está se recuperando. É porque eles fizeram dever de casa e adaptaram a empresa à realidade, estão mais eficientes. Se o empresário fez esta lição, ele fica um pouco mais otimista. Leia mais em G1.globo 05/08/2017

05 agosto 2017



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