02 maio 2017

'Se reforma for muito diluída, dólar, risco e juros voltarão a subir'

Sem a aprovação da reforma da Previdência, a trajetória insustentável da dívida pública brasileira levará o país a um ajuste severo, que pode levar a inflação a dois dígitos ou a medidas similares às adotadas no governo Collor, quando houve confisco de cadernetas de poupança.

O alerta é de Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do Banco Central. "Em economia, o que é insustentável acaba se ajustando. O ajuste pode ser ordenado, que é o que o governo está tentando fazer, ou desordenado, que é o que está acontecendo no Rio", diz.

Para ele, as mudanças feitas até agora na proposta original do presidente Michel Temer eliminaram parte do caráter equitativo da reforma, mas a versão mais diluída do projeto ainda mantém aspectos que garantiriam a estabilização da trajetória da dívida e a retomada da economia.

A equipe de Mesquita espera crescimento de 1% do PIB neste ano e de 4% em 2018.

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Folha - Quais são os sinais mais contundentes e os mais frágeis da retomada?
Mário Mesquita - O acontecimento econômico mais importante dos últimos meses é a redução da inflação. Como os salários são indexados à inflação passada, quando a inflação começa a cair mais rapidamente, há um ganho de poder de compra, e a confiança do consumidor melhora. A aceleração da queda da inflação teve impacto sobre as expectativas de inflação e as projeções do BC, o que o permitiu acelerar o processo de redução dos juros, que, por sua vez, não só alivia os gastos financeiros de famílias e empresas como também contribui para sua maior confiança. Esse é o grande fator positivo.

O que fica para trás, demora mais a se recuperar, é o mercado de trabalho. As pessoas se angustiam muito, o que é normal, porque o desemprego não é desejado por ninguém, mas não é surpreendente que a sequência da recuperação seja assim.

As projeções de vocês contavam com as concessões que vêm sendo feitas na negociação para aprovar a reforma da Previdência?
Revisamos nossa expectativa do grau de implementação da reforma de 57% para 65%. Se isso se confirmar, a [economia com] a reforma vai equivaler a dois terços da [obtida com a] proposta original. A situação do desequilíbrio das contas públicas associada ao deficit da seguridade social é tão intensa que qualquer governo, qualquer equipe econômica minimamente responsável, vai querer lidar com isso. Então, acho que o Congresso tende a aprovar uma reforma com grau de diluição limitado, e acho que é isso que as pessoas esperam.

E se o cenário for pior do que o esperado?
A dívida pública brasileira está numa trajetória insustentável. A única razão pela qual nosso risco-país está baixo, nossa taxa de câmbio está onde está e a taxa de juros pode cair abaixo de 10% é o fato de que as pessoas acham que o governo vai tomar medidas para colocar a trajetória da dívida sob controle. Se essa estratégia for abandonada, o risco-país e a taxa de câmbio vão voltar a subir, a inflação, consequentemente, será afetada, e os juros também.

E o que ocorre com a dívida nesse contexto?
Se nada for feito, vai chegar a 100% do PIB nos próximos anos, algo que um país com a renda per capita do Brasil dificilmente consegue sustentar.

Como se corrige isso sem um ajuste fiscal?
Se não for feito o ajuste, há duas saídas. Uma delas é uma aceleração da inflação, forte, certamente acima de dois dígitos, para corroer o valor real da dívida, ou alguma operação de gestão de ativos e passivos, como foi feito, por exemplo, no Plano Collor.

Gestão de ativos e passivos é calote?
Eu não estou usando essa expressão. Uma gestão de ativos e passivos parecida com a que foi feita na época do Plano Collor. Dá para aumentar impostos? A nossa carga tributária já é elevada para um país emergente. Podemos discutir —e acho que essa é uma discussão bastante válida— se o nosso sistema tributário não poderia ser mais progressivo, ou seja, se ele não poderia recair mais sobre as camadas de patrimônio e renda mais altas do que sobre as mais baixas. Agora, acho que há pouca dúvida de que nossa carga tributária como um todo é elevada para o nível de renda do país.

Portanto, aumentar simplesmente a carga tributária é difícil e indesejável. A inflação é um imposto extremamente regressivo porque recai sobre os mais pobres. E fazer gestão de ativos e passivos públicos gera sequelas que duram anos. A dívida pública brasileira foi muito curta durante tanto tempo, em parte, pelo temor das pessoas de serem expropriadas pelo Estado.

Então, sobra a via do ajuste, que é o que esse governo está tentando fazer.

Sem a aprovação das reformas, em quanto tempo as consequências negativas seriam sentidas na economia?
As crises de dívida são crônicas e, em determinado momento, algum choque as agudiza, e aí a dinâmica acelera muito. Em economia, o que é insustentável acaba se ajustando. O ajuste pode ser ordenado, que é o que o governo está tentando fazer, ou desordenado, que é o que está acontecendo no Rio, com um custo social muito maior.

Apesar desses riscos, parece existir bastante resistência às mudanças.
Sim, há grupos que se beneficiam mais com o status quo, especialmente funcionários públicos, e é natural que defendam seus interesses. E é natural que o resto da sociedade tenha resistência em pagar uma carga tributária maior para manter um sistema que trata os diferentes brasileiros de forma muito distinta. Trata os trabalhadores do setor privado de maneira muito pior do que os do setor público.

Acho que o que a proposta visa é ajustar para garantir a continuidade do sistema, idealmente em bases mais equitativas entre os diferentes grupos de trabalhadores no futuro. Até acho que, na tramitação, esse aspecto de equidade, que era um dos mais atraentes da proposta original, ficou um pouco diluído.

Mas tem uma questão de sustentabilidade e de equidade. Acho que a parte da sustentabilidade se mantém na versão mais diluída que o Congresso vai acabar votando, mas a parte da equidade se perdeu um pouco.

Há resistência também à reforma trabalhista, embora muitos economistas digam que ela trará benefícios.
É curioso que, em um país em que você tem um desemprego tão grande, as pessoas achem que não tem nenhuma necessidade de aprimorar a legislação trabalhista.

Acho que a reforma tende a fortalecer o papel dos sindicatos atuantes, exatamente porque ela dá um status legal, mais forte para o negociado versus o legislado. Então os sindicatos atuantes vão ganhar influência e devem atrair contribuições voluntárias, e não essa involuntária e arbitrária que extrai um dia de salário, por ano, de todos nós.

As pessoas vão querer contribuir se sentirem que seus sindicatos atuam de maneira correta. É uma legislação menos autoritária e paternalista, o que de certa forma é revolucionário no país.

Por que as pessoas estão com tanto medo então?
Porque acham que acabará a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. Isso não é fato.

Outra discussão que ocorrerá em junho é a possível redução da meta de inflação. Qual é sua posição sobre isso?

A meta no Chile é 3%. No México, 3%. Na Colômbia, 3%. No Peru, 2%. No Brasil, todos pedem, com razão, a normalização dos juros. Agora, como vamos querer uma taxa de juros num patamar parecido com o internacional quando nossa meta de inflação é 4,5%, podendo chegar a 6%?

A redução da meta não limitaria a capacidade do BC de continuar reduzindo os juros?
A expectativa de inflação já está caindo. Se você fixar uma meta de inflação de 4% em 2019, que é o que o CMN [Conselho Monetário Nacional] deveria fazer, as expectativas vão para lá. O que sustenta as expectativas em 4,5% é o fato de a meta ainda ser 4,5% até 2018. Se você não reduzir a meta depois da maior recessão da história, quando vai reduzir?

O sr. comentou que, quando era do BC, as pessoas reclamavam mais quando a inflação estava abaixo do que acima da meta. Por que isso ocorre?
Se você consegue tomar dinheiro subsidiado do governo a uma taxa fixa e a inflação sobe, isso não é ruim para suas finanças. Então há uma camada do nosso "establishment" que não é tão prejudicada assim por uma inflação mais alta. Quem paga são os trabalhadores não organizados em especial do setor privado, ou seja, a grande maioria da população brasileira, mas a maioria desorganizada. - Folha de S.Paulo Jornalista: Érica Fraga Leia mais em portal.newsnet 30/04/2017


02 maio 2017



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