27 junho 2016

Entrevista: Laércio Cosentino detalha rumos da Totvs

Troca de comando, adaptação para cloud e mobile, concorrência. CEO comenta desafios e oportunidades da fabricante brasileira de ERP

Os últimos tempos foram corridos para a Totvs. A fabricante brasileira de sistemas de gestão promoveu diversos ajustes internos em sua operação. Na outra ponta, enfrentou oscilações de mercado e da economia brasileira para seguir seu rumo de expansão.

Em uma conversa com Computerworld Brasil, na sede da companhia, em São Paulo, Laércio Cosentino detalhou sua visão sobre o futuro da empresa que comanda.

“Existirão mais sensores do que pessoas utilizando sistemas transacionais”, projetou o presidente e CEO da empresa. O executivo falou, ainda, sobre as mudanças no comando e os planos de migração para nuvem.

Computerworld Brasil – Como você vê o atual momento da TI?
Laércio Cosentino – Vemos a indústria de TI se digitalizando da mesma forma que outros setores. Isso significa que, antes, uma empresa desenvolvia um software, vendia licença, entregava o serviço e fechava um contrato de manutenção. Agora, o segmento migrou para um modelo de subscrição, o que diminui a cadeia de fornecimento. Nesse contexto, você tira um ativo, que é o valor inicial da venda da licença, que normalmente era destinado ao desenvolvimento e evolução do produto. Quem quer disputar esse mercado tem que saber que o retorno financeiro vai ser alongado. Nas empresas tradicionais de software, há uma redução de margem.

Computerworld Brasil – De que maneira a Totvs vivencia isso em seu dia a dia?
Cosentino – Estamos vivendo esse processo para SaaS (software como serviço) à pleno vapor. Prova é que vimos uma redução anual de 20% a 30% na venda de licenças e um aumento proporcional nos negócios de subscrição. Nesse caso, a única coisa é que os dinheiros são diferentes. Outro ponto importante que enfatizamos no desenvolvimento de software é a necessidade de especialização, vendendo soluções por indústria. Ainda, a partir do momento da mudança no mercado de TI, as pessoas e as coisas estão mais conectadas. Esse é um grande diferencial, porque agora não basta apenas fazer um sistema para um hospital, tem que fazer esse sistema hospitalar também para os pacientes daquele hospital. Precisamos, cada vez mais, atender aos clientes dos nossos clientes, e aí entra o conceito de mobilidade. Veja que são vários fatores de transformação. Tomamos atitudes nesse sentido e agora começamos a colher bons frutos.

Computerworld Brasil – Como está a competição com empresas como SAP, Oracle, Microsoft...
Cosentino – Não houve grande mudança na concorrência em si. Dividindo o mercado por tamanho de clientes, nas grandes contas a competição é contra os players internacionais; nas médias, disputamos contra software houses (desenvolvedores) locais e especializados, que fazem um bom trabalho, mas lutam para criar um modelo de subscrição. Há uma tentativa de avanço das estrangeiras nas médias companhias, mas isso não é nada novo.

Computerworld Brasil – ... e nas pequenas empresas?
Cosentino – É onde queremos fincar nossa bandeira. Na base da pirâmide, temos tido um avanço significativo com a aquisição da Bematech, que fornecia algum tipo de equipamento em [um universo de] mais de 550 mil pontos de vendas com mais de 5 mil canais.

Computerworld Brasil – Como está o processo de integração?
Cosentino – Andou bem rápido. Talvez a pergunta seja “Por que compramos a Bematech?”. É possível dividir isso em três pontos. O primeiro é que eles possuem uma parcela interessante de software em setores onde eram líderes. Isso já foi integrado a torres estratégicas [divisões de negócio por indústria] adequadas. Além disso, há uma questão forte de distribuição. Como as empresas não tinham revendas concorrentes, significa que foi um negócio complementar. Queríamos também expandir em negócios muito pequenos. O terceiro ponto relevante a conexão de coisas e IoT, que auxilia a captação e/ou distribuição da informação. E a Bematech trouxe conhecimento de transformar software em hardware para integrar nossos produtos a diversos outros equipamentos.

Computerworld Brasil – E o que isso significa em termos de empresa?
Cosentino - Agora chegamos a uma nova etapa na história da Totvs. Saímos da fase de “Pensar Junto” (Think Together) e agora vamos conectar pessoas e coisas na geração de negócios. A sociedade conectada considera interligação de tudo aquilo que está ao nosso redor e que pode ser integrado e jogado para dentro do ERP. Entendemos que existirão mais sensores do que pessoas utilizando sistemas transacionais. A conectividade da Internet das Coisas nos processos de negócio, especialmente no varejo, promoverá a integração de ambientes para que, através de inteligência artificial, seja possível entender e acompanhar o consumo de produtos e serviços.

Computerworld Brasil – O ERP está pronto para um contexto onde existam mais sensores do que pessoas se conectando a esse sistema?
Cosentino – Fizemos diversos ajustes e começamos a tomar diversas medidas para conectar as coisas. O conhecimento trazido da Bematech é importante e passamos a inserir isso no nosso sistema. Mas esse é um processo gradual.

Computerworld Brasil – As pesquisas recentes da FGV, que medem o market share, apontam que a Totvs perde uma pequena parcela anualmente. Isso preocupa vocês?
Cosentino – O mais importante é ter maior relevância em tudo que você está fazendo, conectando todas as pontas. A pesquisa não pega, por exemplo, os clientes dos meus clientes que usam nosso software. Quando você analisa, vê que o mercado é bem maior do que está sendo endereçado pela pesquisa. Não estamos preocupados em termos de percentual de market share, mas sim sobre o quanto estamos conseguindo, de fato, fazer com que nossos clientes vivam a transformação digital para serem competitivos. O processo de digitalização do setor também passa por vários setores. Vemos que há muita coisa acontecendo, em vários setores. Sem querer diminuir os resultados do estudo, mas se olharmos para o todo, estaríamos ganhando mercado ou mantendo os mesmos patamares.

Computerworld Brasil – A Totvs enfrentou um período turbulento na troca de comando. Como ficou o plano de sucessão com a passagem do Rodrigo Kede?
Cosentino – Esse plano está congelado. Entendemos que não houve o retorno esperado. Precisamos lembrar que era um plano de três anos e [no período da saída de Rodrigo Kede] estávamos na metade desse processo. Apesar de postergada a sucessão, tudo aquilo que tínhamos planejado fazer, estávamos fazendo. Hoje estou no comando e temos uma equipe totalmente preparada para todos os desafios.

Computerworld Brasil – O projeto de nomear um sucessor será retomado?
Cosentino – Não dentro de um horizonte de curto prazo. Por que iniciamos um processo de sucessão? Quando identificamos uma pessoa, criamos uma oportunidade. Como fundador e conselheiro, quero sempre estar na posição de contribuir da melhor maneira para a companhia. Havia todo um planejamento da sucessão. Basicamente, foi o motivo de ter a pessoa e gerar a oportunidade. Quando isso não deu certo, voltamos ao modelo que corria em paralelo. Dizemos que na Totvs sempre temos um plano A e um plano B, que, quando preciso, entra em execução sempre que a empresa sofra nenhum impacto.

Computerworld Brasil – Como estão os planos de fusão e aquisição?
Cosentino – Somos uma empresa consolidadora no mercado brasileiro. Continuamos focados em fortalecer o nosso core. Estamos sempre avaliando oportunidades que reforcem nossa oferta segmentada e gerem valor para os clientes. A complementaridade em software e tecnologia é o nosso principal alvo.

Computerworld Brasil – Aparentemente, vivemos um momento intenso de surgimento de startups no Brasil. Como empreendedor, qual é sua visão sobre isso?
Cosentino – Sou um grande incentivador. Acho que é bom para o país. Além disso, também acompanhamos muito o avanço de conceito de Labs. Cada vez mais estamos nos parceirizando com clientes para que as iniciativas de inovação estejam integradas. Outro dia, um investidor me perguntou o que estamos fazendo para que a Totvs não se torne uma Chernobil [usina nuclear na Ucrânia desativada em 1986 depois de um acidente]. A princípio não entendi a pergunta, aí ele citou que via grandes fornecedores de ERP como Chernobil. Ou seja, todos aqueles sistemas não serão desativados, mas o que está lá dentro ficará lá dentro e o que estiver fora não vai entrar, até que novas formas de energia alternativas sejam criadas e a usina seja esquecida.

Computerworld Brasil – E o que a Totvs está fazendo para não se transformar em uma Chernobil?
Cosentino – Nos últimos anos, estamos buscando constantemente inovações no nosso produto. Mencionei para esse investidor o movimento que fizemos de redução do tamanho do ERP, que diminui a ponto de virar um motor de cálculo levando todos os outros processos para estarem em uma camada acima e funcionar de forma integrada. Dessa maneira, a Totvs se transforma em uma plataforma. Não somos um Chernobil porque ao invés de mantermos algo grande e difícil de ser controlado, começamos a reduzir.

Computerworld Brasil – É aí que entra o Fluig. Aliás, como está a plataforma?
Cosentino – Está caminhando bem. Integrado outros de nossos produtos, ele passa a ser a interface desse motor do ERP.

Computerworld Brasil – Em que pé estão os planos de internacionalização?
Cosentino – No mercado externo, já atuamos na América Latina e temos o laboratório de inovação no Vale do Silício. Como começamos a transformar nossa solução em uma plataforma tecnológica de negócios (business technology platform), o plano é seguirmos embarcados nas soluções criadas por empresas em nossa plataforma.

Computerworld Brasil – Quais os focos de investimento agora?
Cosentino – Continua sendo no fortalecimento da segmentação e em tecnologias que tragam diferenciação para os clientes.

Computerworld Brasil – E os alvos de mercado?
Cosentino – Queremos o mercado inteiro, pois a interligação entre as empresas é grande. Atualmente, o maior volume de geração de leads é na base da pirâmide. E queremos colocar nossa bandeira nas pequenas empresas, para acompanhar seu crescimento rumo ao topo da pirâmide. Atualmente, são as menores empresas as que têm mais capacidade de investir em TI. É onde, apesar dos valores serem mais baixos, há crescimento.

Computerworld Brasil – O momento econômico brasileiro influencia as estratégias?
Cosentino – Entendemos que tem muita gente disposta a investir no Brasil. Apesar de tudo que está passando, continuamos a ser um mercado que cresce. Olhando para esse ano, creio que em 90 dias, veremos uma melhora no ambiente econômico e em 2017 vamos colher os ajustes feitos na economia. Felipe Dreher Leia mais em computerworld 27/06/2016

27 junho 2016



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