03 julho 2015

Está aberta a nova temporada de compras no Brasil

Apesar de todos os problemas, o país deverá atrair boa parte dos investimentos para fusões e aquisições na área de bens de consumo.  É o que diz Gregory Stemler, da consultoria EY


Segundo Stemler, há um número relevante de empresas brasileiras de médio porte que podem ser adquiridas

Em 2014, as transações envolvendo fusões e aquisições de empresas de bens de consumo movimentaram US$ 169 bilhões no mundo, um aumento de 80% em relação a 2013. Foi um ritmo intenso, que não deve desacelerar nos próximos meses – e o Brasil pode ser palco de algumas das principais negociações. Essas são algumas conclusões de um estudo da consultoria EY, realizado com base em entrevistas com mais de 1,6 mil executivos das principais companhias do mundo, em 62 países – ao qual NEGÓCIOS teve acesso com exclusividade.

De acordo com o relatório, apesar dos gargalos impostos pela infraestrutura e pela burocracia o Brasil será, ao lado de Reino Unido, Índia, Estados Unidos e China, um dos destinos que mais devem atrair investimentos para fusões e aquisições de empresas nos próximos meses. “Companhias de médio e grande porte de alimentação, bebida e e-commerce de produtos de beleza devem ser os principais alvos”, diz Gregory Stemler, líder da área de consultoria de fusões e aquisições de empresas de bens de consumo da EY e um dos responsáveis pelo trabalho. Em entrevista a NEGÓCIOS, Stemler explicou os motivos que têm levado corporações globais a buscar novas oportunidades de negócios no Brasil, embora o país não viva lá um grande momento.

O mercado de fusões e aquisições estava praticamente parado desde 2009. O que explica o aumento das transações no ano passado e quais as expectativas para 2015? 
Há uma tendência muito clara das empresas de bens de consumo. Nos últimos anos, em busca de maior rentabilidade, algumas das principais companhias desse setor começaram a se desfazer de unidades de negócios menos lucrativas para focar esforços nas linhas mais rentáveis de seus produtos. Esse movimento impulsiona a compra e venda de ativos, além das fusões. Em 2015, o ritmo dessa atividade pode variar um pouco de trimestre para trimestre, de acordo com as oportunidades, mas acredito que continuará alto. É uma tendência que se confirma até pela quantidade de negócios nos quais estamos envolvidos, prestando suporte às empresas.

"O Brasil ainda tem um alto poder de atração: são 200 milhões de potenciais consumidores"

De que maneira essa tendência pode afetar o ambiente de negócios no Brasil?
Haverá grandes oportunidades para o Brasil. Empresas de atuação global ou mesmo regional estão buscando possibilidades de otimizar a carteira e, ao mesmo tempo, garantir expansão. A compra da Yoki pela General Mills dois anos atrás foi um exemplo dessa tendência. Há um número relevante de empresas brasileiras de médio porte que podem ser adquiridas. Isso até daria um fôlego adicional para o consumo, uma vez que as empresas com escala global podem ter mais força para levar os seus produtos a diferentes regiões do país.

E as grandes companhias nacionais?
Esse cenário também abre oportunidades para elas. Veja o caso da BRF [no ano passado, a empresa vendeu as marcas de lácteos para o grupo francês Lactalis por US$ 805 milhões]. Com a simplificação de seu portfólio, ela pode se concentrar na produção de alimentos processados, que garantem melhores margens. Além disso, aumentou o caixa, ganhando mais fôlego para um crescimento internacional.

Mas o ritmo de consumo no Brasil vem diminuindo. Isso não muda as perspectivas para o país? 
Os países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, serão responsáveis por mais de 80% do crescimento do mercado de bens de consumo nos próximos cinco anos. Portanto, apesar dos desafios econômicos, o país vai continuar sendo palco de algumas das principais transações. Todos sabemos que o ambiente de negócios no Brasil ainda tem muito a evoluir. Há gargalos, sobretudo, em relação à infraestrutura logística e à qualificação de mão de obra. Há burocracia. São justamente alguns dos pontos apontados pelos executivos como obstáculos para investimentos. Para competir globalmente, a agilidade é um atributo fundamental e, diante das circunstâncias, as empresas que operam no Brasil não podem ser tão ágeis como deveriam. Pelo menos, por enquanto. Mas o Brasil ainda tem um alto poder de atração. São 200 milhões de potenciais consumidores e uma rica base de commodities.

Quais são as empresas brasileiras com maior potencial para negociações desse tipo? 
No setor de alimentos e bebidas, há um subsegmento chamando snacking. São biscoitos, salgadinhos, barras de cereais, normalmente consumidos entre refeições. Esses produtos estão ganhando relevância em função da praticidade que oferecem. Seus fabricantes podem ser alvo de transações, assim como empresas responsáveis por linhas de bebidas com alto valor de proteína, como as lácteas. Também há muitas companhias bem-sucedidas em vendas online de produtos de beleza e cosméticos. Elas já estão chamando a atenção de players globais. Em resumo, os principais alvos são as empresas com produtos ou serviços ajustados às mudanças de hábito do consumidor.

Quais são essas mudanças nos hábitos de consumo? É possível apontar algumas? 
A crença que norteou as empresas de bens de consumo por décadas foi a seguinte: oferecer muitas opções de produtos ajuda a aumentar os gastos do consumidor. Hoje, essa lógica está em xeque. Cada vez mais, os consumidores querem ter praticidade na hora da escolha. Isso muda muita coisa. O hábito de fazer compras em supermercados enormes está em declínio. As pessoas querem comprar em locais menores, de forma mais rápida, perto de suas casas. Esses novos ambientes não têm espaço para estoques ou para expor uma infinidade de produtos. Os fabricantes terão de se adequar a isso.

De que maneira isso impacta a tendência das empresas de otimizar o portfólio? 
É uma conjunção de fatores. No mundo todo, as empresas de bens de consumo estão passando por desafios em um ambiente cada vez mais complexo. Os hábitos de consumo mudaram, as margens estão apertadas e é preciso diminuir os custos. As companhias têm de decidir quais marcas e quais categorias serão mantidas para eliminar as demais. A P&G fez recentemente um movimento importantíssimo nesse sentido [em agosto de 2014, a empresa anunciou que poderá se desfazer de até cem marcas para focar em linhas de produtos mais rentáveis]. Na ocasião, A.G. Lafley, o presidente mundial da P&G, disse: “Os consumidores realmente não querem mais variedade e mais possibilidade de escolha. Eles querem levar a vida de maneira simples e conveniente”. Isso é algo que deve ser considerado por todos. Matéra publicada originalmente na edição de fevereiro de 2015 de Época NEGÓCIOS Leia mais em epocanegocios 02/2015

03 julho 2015



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