21 janeiro 2015

Fusões e aquisições: quando concentração é concorrência


Há de se considerar que tipo de diversificação é desejável, produtivo e racional, distinguindo-o da mera manipulação financeira e construção de impérios. Que tipo tornará a economia mais aberta, flexível e competitiva, e que tipo vai alimentar a concentração e o monopólio? Qual vai criar empreendimentos mais administráveis e de melhor desempenho, e quais criarão quimeras gerenciais?
Seguir Cláudio Márcio, 20 de janeiro de 2015

Contudo, os problemas mais difíceis decorrentes do surgimento dos novos mercados e dos novos empreendedores são aqueles relacionados à concentração e à concorrência. Nas outras áreas, é preciso encontrar respostas. Com relação a essas duas, há de ter de desaprender as respostas antigas – tarefa dificultada ainda mais pelo fervor quase religioso com que elas são defendidas, tendo se revestido de um caráter quase consagrado para ampla parcela dos economistas, políticos, advogados e homens de negócios.

Por muitos anos, dois conceitos serviram de referência em abordagem aos problemas da concentração e da concorrência: o da “concentração de ativos de produção” e o da “concentração de poder de mercado”. É consenso geral que as medidas desenvolvidas para esses dois aspectos da concentração econômica constituem, juntas, ao mesmo tempo uma radiografia da estrutura da economia e uma orientação confiável com relação ao diagnóstico e ao tratamento. Entretanto, a primeira medida vem se tornando menos confiável, e a segunda, enganosa.

Durante muito tempo, de 1920 a 1960, a “concentração de ativos de produção” permaneceu relativamente constante. Dizem os caçadores de trustes, porém, que entre 1950 e 1970 houve um tremendo salto quantitativo nesse campo. Em 1950, as 200 maiores empresas manufatureiras controlavam 40% dos ativos de produção dos Estados Unidos. Em 1970, segundo eles, as 200 maiores empresas manufatureiras chegaram a 60% de controle – o maior aumento de concentração econômica já registrado, nos EUA ou em qualquer outro país.

O mais curioso, todavia, é que essa enorme concentração não se faz acompanhar de um aumento na concentração de poder econômico em nenhum mercado específico de bens, isto é, em nenhum dos mercados específicos em que operam essas empresas. Ao contrário, na maioria deles, concentração provavelmente veio caindo até, pelo menos 1970. Num mercado após outro, as novas empresas desafiaram as velhas gigantes e lhes roubaram um pedaço aqui, outro ali, de seus negócios tradicionais – o que se aplica tanto ao mercado editorial quanto à indústria farmacêutica, tanto a materiais de construção quano a vendas no varejo.

Os “ativos de produção” deixaram de definir a concentração na economia produtiva americana. Essa categoria compreende os ativos incluídos nos balanços patrimoniais de empresas com sede nos Estados Unidos, independentemente de onde eles se localizem – dentro ou fora dos EUA. Em 1950, encontravam-se quase exclusivamente em território americano. Hoje, porém, maioria das empresas americanas é multinacional, com pelo menos 20% a 30% de sua produção e ativos fora dos EUA. Desses 60%, um quarto, isto é 15 pontos percentuais, deveria ser imediatamente subtraído do número oficial, o que derrubaria a taxa de concentração nos EUA para 45%.

Ao mesmo tempo, porém, as empresas classificadas como “manufatureiras” em 1950 eram, em grande parte, aquelas que efetivamente fabricavam algo. Sem dúvida, mesmo naquela época, a General Motors Accpetance Corporation – cujos ativos correspondiam, porém, a uma fração ínfima do total da GM. Hoje, em decorrência das incorporações diversificadoras e por aquisição, um número muito substancial de empresas ainda consideradas “manufatureiras” na realidade tem uma vasta parcela (em alguns casos, a maior parte) de seus ativos fora do setor de produção – em serviços e, sobretudo, finanças.

Ora, em finanças, “ativos” não são realmente ativos, mas “passivos”, isto é, dinheiro tomado para ser imediatamente emprestado. Quando uma empresa manufatureira incorpora uma financeira, adquire, em seu balanço de pagamentos, ativos financeiros muito superiores a seus “ativos manufatureiros” até então – por mais que, em termos de rentabilidade (para não falar em poderio econômico), a empresa manufatureira pudesse muito bem ser maior. Daí para a frente, no entanto, esses ativos financeiros passam a ser contabilizados como “ativos manufatureiros”.

Quanto a Control Data adquiriu a Commercial Credit, em 31/12/1967, possuía US$470 milhões em ativos manufatureiros. A Commercial Credit possuía US$3 bilhões em ativos. O total das duas, porém, depois da aquisição, é categorizado como “ativos manufatureiros, uma vez que, legalemente, a adquirente foi a Control Data. Se a maior de todas as aquisições já tentadas tivesse dido levada a cabo – quer dizer, se a Leasco, uma empresa de serviços de informática, tiesse conseguido adquirir o Chemical Bank (US$9 bilhões), chegando ao total conjunto de quase US$10 bilhões, e tudo contabilizado como ativos manufatureiros. Sendo assim, é preciso deflacionar o número oficial de “ativos manufatureiros” em pelo menos mais 10 pontos percentuais, a fim de subtrair os ativos que não deveriam ser contados como manufatureiros. Em outras palavras, em termos de ativos efetivamente manufatureiros nos EUA, sem dúvida as 200 maiores empresas possuíam em 1970 uma parcela menor da indústria manufatureira do que em 1950.

Assim, os dois conjuntos de números – ativos manufatureiros e concentração de poder de mercado – seriam realinhados. Todavia, é evidente que a conclusão de que não há “concentração” não é plausível: mesmo sem um aumento da concentração de mercado ou dos ativos manufatureiros americanos, as incorporações diversificadoras e por aquisição, bem como a expansão das multinacionais, claramente produziram uma substancial concentração de poder decisório, levando ao surgimento de organizações imensas, com atuação em diversas regiões e países, mas incorporadas como uma mesma entidade jurídica e dirigidas por uma única cúpula administrativa.

Não obstante, o resultado com frequência é um aumento da concorrência, mesmo na economia de bens e serviços – e na de capitais e investimentos e na de trabalho e carreiras, quase sempre.

A fusão entre a Control Data e a Commercial Credit não aumentou a concentração nem no mercado de computadores nem no de crédito; na verdade,ambos tornaram-se mais comtetitivos a partir do fortalecimento das empresas que até então eram os “azarões” em cada um deles. Outro exemplo, ainda mais ilustrativo, foi a aquisição, na década de 1960, da Folger, uma pequena marca regional de café, pela Procter & Gamble. Sem dúvida, a operação contribuiu para aumentar a P&G; uma vez, porém, que esta é líder em alimentos processados, por meio de suas várias marcas de emulsificantes a nova aquisição também contribuiu (mas não muito) para sua participação na Procter & Gamble, por outro lado, a Folger ampliou sua distribuição, alcançando todos os EUA. Como o mercado americano de café, em âmbito nacional, era dominado, havia anos, por um número reduzido de marcas, num típico padrão de “oligopólio”, a aquisição da Folger pela Procter & Gamble implicou também, portanto, significativa desconcentração de um importante mercado. Qual foi, então, a “verdadeira” consequência: concentração ou desconcentração?

Talvez esteja-se a caminho de uma situação em que a liderança e a concentração em determinado mercado – seja o de bens, de capitais ou de carreiras – serão as “forças compensadoras” da concorrência e da desconcentração em um dos outros dois mercados ou em ambos. Sem dúvida, não deixa de ser relevante que uma das críticas mais comuns às multinacionais, sejam elas americanas na Europa ou europeias e japonesas nos EUA, seja que seu porte lhes permite incorrer em “concorrência excessiva”.

As pressões no sentido desse tipo de concentração, tão diferente do significado tradicional do termo, devem aumentar, não diminuir. A tecnologia impele nesse direção, sobretudo nas indústrias química e de materiais. É a tecnologia que vem obrigando a Du Pont, tradicionalmente apenas uma fabricante de substâncias químicas para a indústria têxtil (fibras sintéticas, por exemplo), a fazer incursões pelo setor farmacêutico, por um lado, e, por outro, de materiais compositórios, inclusive novos compostos metálicos.

A tecnologia já forçou as duas grandes fabricantes de latas, que em 1950 produziam um único item (latas de estanho), a se tornarem empresas de “embalagens”, incluindo plásticos, vidros, produtos de papel, e assim por diante – o que, por sua vez, fez a maior fabricante de embalagens de papel, a Container Corporation of America, como viu-se, incorporar uma rede de varejo e vendas por catálogo, a Montgoery Ward, a fim de obter suficiente robustez financeira e administrativa para fazer frente às novas gigantes do setor. Outra força poderosa a impelir as empresas para a concentração será a preocupação com as questões ambientais. A mera pureza de intenções não será suficiente para limpar o ambiente, seja com relação a ar, água e espaços naturais e urbanos. Será necessário um esforço maciço e sistêmico em todas as áreas, quer dizer, empresas capazes de mobilizar substanciais recursos tecnológicos e econômicos numa gama de competências, disciplinas, tecnologias e mercados.

Acima de tudo, porém, as pressões dos novos mercados de massa – tanto o de capitais e investimentos quanto o de empregos e carreiras – devem induzir a uma permanente diversificação, em termos setoriais e geográficos.
Portanto, há de se considerar que tipo de diversificação é desejável, produtivo e racional, distinguindo-o da mera manipulação financeira e construção de impérios. Que tipo tornará a economia mais aberta, flexível e competitiva, e que tipo vai alimentar a concentração e o monopólio? Qual vai criar empreendimentos mais administráveis e de melhor desempenho, e quais criarão quimeras gerenciais?

Está razoavelmente claro qual deve ser a aspiração. Quer-se diversificação, não difusão. Federalismo, em lugar da tirania centralizada ou da dispersão. Gestão de ativos, não manipulação financeira. O que não fica claro, porém, é a qual dessas categorias cada estrutura se enquadra. Com efeito, não fica claro nem para os inimigos dos trustes, que estão divididos entre os que aceitam e até saúdam os conglomerados, acreditando que levarão a um aumento da competição, e seus ferrenhos opositores, por intensificarem a concentração. Essa certamente seria uma questão central pelo menos até 1980, tanto nos EUA quanto no exterior. Não importa muito que não haja uma resposta “certa” porque, em problemas desse tipo, raramente há.

Contudo, o fato de os antigos conceitos e referenciais aceitos serem em pelo manos desde 1970 inadequados tornará árduo o caminho. Ademais, é imperativo aprender a fazer “concessões”, ou seja, compensar a concentração em uma dimensão econômica com a concorrência em outra – o que não só vai de encontro à natureza dos responsáveis pelas decisões, sejam eles economistas ou políticos, homens de negócios ou burocratas; compreensivelmente, todos eles ficam também incomodados com tamanha complexidade, e elas resistem.

Os fenômenos da década de 1960 constituem mais que uma mudança na estrutura econômica; trata-se de uma mudança na estrutura da sociedade. Transformaram a realidade econômica, tornando necessários um novo modo de pensar e a revisão de um sem-número de conceitos, ideias e políticas tradicionais com relação a monopólios, concentração e concorrência, por exemplo, bem como no tocante à relação entre a economia mundial e os Estados nacionais. Será necessário o desenvolvimento tanto de uma nova compreensão teórica quanto de novos conceitos políticos, pois até 1970 não se dispunha de uma teoria econômica que entendesse ou mesmo interligasse as três dimensões da economia, integrando assim os novos mercados de massa de capitais, investimentos, e empregos e carreiras ao antigo mercado de massas de bens e serviços, preços e produtividade.

Os eventos específicos que caracterizaram os anos 1960 podem até não ter passado de fenômenos temporários, que jamais se repetirão. Quanto aos fenômenos de que foram a primeira expressão e sintonia visível, eles estão apenas começando. Outras considerações sobre o tema, essencial para entender as tendências da moderna administração, podem ser obtidas no livro Peter Drucker – homens, ideias e ações políticas. Leia mais em Administradores 20/01/2015

21 janeiro 2015



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