08 novembro 2012

União de Forças Ou Queda De Braço?

Fusões e aquisições malsucedidas fazem a empresa perder 10%do seu valor nos primeiros 12 meses. Para evitar isso, basta prestar maisatenção a aspectos de gestão de pessoas.

 Seja em qualquer área, elas são um dos importantes passos para uma empresacrescer ou entrar em novos setores econômicos. As fusões e aquisições (F&A)somaram, somente no ano passado, 4,48 trilhões de dólares no mundo todo. NoBrasil, segundo a Thomson Financial, essas operações bateram recordes, aomovimentar 57,7 bilhões de dólares. E a tendência para 2008, apesar daturbulência no mercado de crédito e os temores de uma recessão em nível global, é que o volume dessas operações continue em crescimento.

 “As F&A são uma maneira de as empresas crescerem. Mas paraque isso ocorra devem ser bem-feitas”, diz Irene Azevedo, professora daBrazilian Business School (BBS) e business partner da consultoria Kienbaum. Epara que assim seja, o aspecto humano não pode ser o último item da lista deprioridades. Mas será que é assim? Em 2002, MELHOR revelou que, de acordo comuma pesquisa coordenada pela professora Betania Tanure, da Fundação Dom Cabral, em apenas 20% dos casos de F&A o RH era chamado a participar desde oinício. Os anos passaram, mas parece que a realidade continua a mesma: depoisde analisar 200 companhias que realizaram esse tipo de operação, a consultoriaHay Group descobriu que 96% dos CEOs ainda fazem somente o diagnóstico da partefinanceira e dos ativos da empresa, enquanto apenas 22% deles avaliam osaspectos intangíveis, relacionados à liderança e ao capital humano.

 De acordo com Jean-Marc Laochez, business effectiveness praticeleader do Hay Group para a América do Sul, a grande importância dada ao aspectoeconômico é clara e, de certa forma, bem justificável graças aos compromissoscom os acionistas - que podem ir desde aumentar a participação no mercado aomaior deles, que é gerar maior retorno financeiro.

 Porém, qualquer que seja a meta, é sempre bom lembrar que paraatingi-la são necessários profissionais que irão propor estratégias para isso eque irão colocar esses planos em prática. Ou seja, se uma fusão ou aquisição éuma ação estratégica para gerar maior retorno aos investidores, nada maisnatural que o que se refere ao capital humano seja levado em conta.

 Mas, na conta final, ele não parece tão presente. “Até porquecalcular esse valor intangível é uma tarefa complicada”, diz Jean-Marc. Aliás,obter informações a esse respeito por parte das empresas que são alvo de fusãoe aquisição é algo extremamente complicado, segundo 70% dos executivosentrevistados na mesma pesquisa da Hay, intitulada Dangerous Liaisons: Mergersand Acquisitions: The Integration Game, que revelou, ainda, que o aspectocultural foi responsável por 90% dos maus resultados nos processos ocorridos naEuropa nos últimos três anos.

 Em outras palavras, não levar em conta aspectos de gestão depessoas e de cultura atravanca os processos de F&A, o que gera impactosdiretos nos resultados. Segundo a pesquisa da Hay, operações malsucedidas fazema empresa perder 10% do seu valor nos primeiros 12 meses após a fusão ouaquisição e esse índice fica em torno de 5% nos anos seguintes.

 Evitar conflitos 

 A literatura sobre F&A apresenta dois consensos, como observao professor Celso Lemme, do Instituto Coppead de Administração, da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro.
Primeiro: o número de processos que não dão certo é maior dos que são bem-sucedidos (entendendo-se como bem-sucedido aquele quealcança parte dos objetivos que levaram à união das empresas). Segundo: um dos grandes fatores que impedem o sucesso desses processos é o choque de culturas.

 De acordo com Lemme, é preciso entender que uma F&A necessitade três tipos fundamentais de adequação. O primeiro é estratégico. “A pergunta básica para entendê-lo é: ‘A união faz sentido?’”, explica o professor. “Essa fusão cumpre um papel estratégico?”. A segunda adequação é financeira, uma vezque geralmente essas operações envolvem grandes cifras. E a terceira adequação,porém não menos importante, é a organizacional. “À qual poucos profissionaisprestam atenção”, diz Lemme.

 As razões para isso são simples: as pessoas tendem a concentrarseus esforços nos aspectos mais objetivos e quantitativos; e tendem a esconderpossíveis conflitos. Ah! Essas pes­soas… “As dificuldades financeiras são bemvisíveis e as de natureza estratégica também. Já os problemas que envolvemcultura e pessoas demoram mais a aparecer. Estas têm medo de fazer algumasperguntas, como quem vai liderar a mudança, quais serão os novos papéis de cada um na empresa, quem vai sair ganhando e quem vai sair perdendo e qual será anova direção da empresa”, acrescenta Lemme.

 Sobre essas questões, vale destacar que o banco Santander pareceter dado um passo importante ao anunciar que a liderança das operações dainstituição no Brasil ficará a cargo de Fábio Barbosa, atual presidente doReal. “Isso revela que o Santander possui maturidade e consciência para nãoperder parte desse importante ativo que é a cultura do Real. Mas como isso vaiser feito será interessante; vamos ver”, diz Jean-Marc, da Hay.

 Ter uma imagem ligada à sustentabilidade e uma política de gestãode pessoas forte são outros aspectos do banco Real que, de acordo com IreneAzevedo, devem pesar na balança nesse período de transição. “Quando você fazuma fusão ou aquisição, você tem de identificar o que há de melhor em cada uma,ver quem tem o melhor perfil. Nesse caso, acredito ter sido o caminho adotadopelo Santander”, diz.

 A partir dessa análise, de levar em conta o que há de melhor em cada uma das culturas envolvidas, muitos afirmam que surge uma nova cultura euma nova empresa. Mas nem sempre isso acontece, como diz Jean-Marc. Parasustentar essa tese, o consultor da Hay cita o exemplo da mexicana Cemex. Aorganização praticamente faz com que a sua cultura se sobreponha. Para isso,ela forma líderes que, depois, vão para as empresas adquiridas a fim deimplantarem a cultura Cemex. De acordo com Jean-Marc, o surgimento de uma novacultura depende da natureza da indústria. No caso da Cemex, que é da área decimento, o forte está na parte de operações. Não haveria um impacto maisacentuado no que se refere à parte cultural.

 E por falar em líderes, como eles podem atuar num processo deF&A?
De acordo com a pesquisa The Importance of Leadership and Culture toM&A Success, feita pela Towers Perrin junto a 400 processos dessa naturezaem 2006, algumas iniciativas têm um forte impacto positivo em fusões e aquisições. De acordo com os entrevistados, essas principais atitudes são: estabelecer asprioridades e criar um sentimento positivo e de disciplina; promover noscolaboradores um nível de comprometimento necessário, bem como o engajamento ea confiança para que os trabalhadores possam enfrentar esse período detransição; e inspirar um sentimento de propósito, de coerência e deresponsabilidade para que todos permaneçam focados e engajados no trabalho.

 Processos de F&A quase sempre envolvem algum nível detransformação e de perturbação, explica Clair Olson, consultor da TowersPerrin, no estudo. Uma integração de sucesso demanda mudanças significativas nas duas empresas:
quem compra cria algumas (como estabelecimento de novos objetivos e estratégias e formas diferentes de fazer as coisas, por exemplo); e
quem é comprada deve superar qualquer ansiedade sobre esse fato e deve se integrar aos novos procedimentos e valores corporativos.

 Durante esse período de transição (e de perturbação, em algunscasos), os empregados olham primeiro para os líderes - e serão guiados por elesa partir do comportamento deles. “Nossa experiência mostra que o que aslideranças fazem durante a F&A tem um impacto significativo em como oscolaboradores das duas empresas reagem e promove um senso de coletividade epropósito. A percepção positiva do funcionário sobre os líderes é crucial parao sucesso da mudança. Eles precisam acreditar que a liderança cuida deles. Quando as pessoasestão convictas de que os líderes genuinamente se preocupam com elas, elasficam mais abertas para fazer o que for necessário nesses momentos detransição”, afirma Mark Arian, líder global de change management da Towers Perrinno estudo. 

Talentos em debandada 

 Um dos maiores riscos para a empresa em não atentar para oaspecto de gestão de pessoas em processos de F&A, segundo Thais Blanco,consultora da Hewitt, é a debandada de talentos. “Quando uma notícia sobrefusão ou aquisição chega ao mercado e aos ouvidos de quem estará envolvido,muitos profissionais ficam mais sensíveis aos ataques da concorrência -justamente por não saberem o que vai acontecer, se vão ficar ou não naorganização depois da fusão ou aquisição”, diz ela.

 Por essa razão, os especialistas ouvidos por MELHOR foram unânimes: é preciso identificar esses funcionários essenciais para o que será anova empresa. Eles podem estar tanto na compradora quanto na comprada, basta oRH ajudar a fazer esse mapeamento de talentos e ter claras as competênciasnecessárias para os cargos que serão mantidos. E se não encontrar profissionalem nenhuma das duas organizações, recorre-se ao mercado - embora possa haverdificuldades.

 Isso porque, conforme explica Fernando Mantovani, gerente daRobert Half, empresa de recrutamento executivo especializado, não é todoprofissional que topa ir para uma empresa que passa por esse tipo de processo.Fica sempre a dúvida (e o receio): e se não der certo? “Na verdade, há umaespécie de congelamento de mercado: seja por parte das duas empresas, seja porparte de quem está fora. De quem está fora a causa é o medo. E a das empresasrefere-se ao período em que resolvem quem fica e quem sai.”

 Além de perder (passivamente) talentos, há outros tipos deproblemas aos quais o RH deve atentar, como ilustra Thais: “Imagine que umaempresa deseja comprar outra, mas mais da metade dos diretores da adquirida nãofala inglês. O que poderia não ser um grande problema, a não ser que acompradora fosse norte-americana, por exemplo”, conta. O que pode acontecer?Alguns bons profissionais correm o risco de perder boas oportunidades.

 Perder boas oportunidades também pode ser chamado de demissão. Nessecaso, oferecer um programa de outplacement é uma boa saída para as empresas(veja mais em Demissão com recomeço, na pág. 24), além de ter um bom plano decomunicação. “Comunicar uma notícia como essa deve ser feito de formarespeitosa”, comenta Irene, da BBS. Até porque é uma maneira clara de mostraraos chamados sobreviventes (quem fica) como serão tratados caso passem porsituação semelhante.

 Na verdade, a boa comunicação deve ser ampla, caso contrário osresultados mais adiante podem ser prejudicados. Como alerta Jean-Marc, da HayGroup, sem informação clara as chances de resistência podem ser maiores duranteo processo. E a ausência de informações também é fonte de insegurança, comoacrescenta Mantovani, da Robert Half.

 E foi essa insegurança que fez com que muitos profissionais do Real buscassem divulgar e repassar seus currículos. “Houve um aumento expressivo de cadastros desses profissionais em nosso site”, destaca Mantovani.Tudo porque as pessoas não sabem quem vai ficar depois da aquisição. “E háexcelentes profissionais dos dois lados”, acrescenta o gerente da Robert Half.

 Jean-Marc acredita que, de forma geral, os processos de fusão eaquisição tendem a ser realizados com maior grau de profissionalismo do que emanos anteriores. Porém, como adianta Marcos Vono, diretor de RH da VerisEducacional, empresa controladora das Faculdades IBTA e do Ibmec no Rio deJaneiro, Belo Horizonte e Brasília, ainda não existe uma “receita de bolo”. Ouseja, cada caso é um caso - e desses casos Vono conhece bem: ele fazia parte daBest Foods, que um dia comprou a Arisco. E um dia essa nova empresa foiadquirida pela Unilever. Depois, na Quaker, Vono passou por outro processo deaquisição - desta vez pela Pepsico. Antes de ir para a Veris, o executivoestava no banco Real… Mas saiu antes de o Santander chegar.

 Futuras distorções 

 Uma das primeiras ações do RH da Veris é fazer um levantamento detodos os funcionários da instituição adquirida: quem são, há quanto tempotrabalham na organização, quanto ganham etc. Isso permite corrigir possíveisproblemas legais e ajuda a minimizar futuras distorções. Por exemplo: numa instituição adquirida, havia uma espécie de tíquete-refeição próprio, que eraaceito apenas em um determinado restaurante. Além de poder criar transtornos emtermos trabalhistas, a iniciativa também tolhia a liberdade de o funcionárioescolher outro lugar para o almoço. Esse foi um dos primeiros itens a passarpor uma reestruturação.

 “Também conversamos com as lideranças para ver como avaliam aspes­soas. A partir daí, é possível perceber se o time está adequado à nossacultura”, diz Vono. Uma das ferramentas utilizadas nesse processo é o Plano deAvaliação e Melhoria de Performance. “É uma grande aliada na adaptação. Trata-sede uma avaliação feita pelo funcionário e pela liderança imediata, com osuporte do RH. A partir dela, o colaborador recebe uma orientação de carreira;ele passa a saber até onde pode ir e o que fazer para chegar lá”, conta Vono. Eé esse tipo de informação, diz o executivo, que ajuda a diminuir a insegurança.

 E no que se refere ao medo de perder o emprego, Vono diz que issoé pouco freqüente nos processos encabeçados pela Veris. “Em geral, as pessoassão convidadas a ficar”, destaca. E quem confirma é Maura Maria Moraes deOliveira Bolfer, coordenadora da Uirapuru Superior, de Sorocaba (SP), adquiridano fim do ano passado pela Veris.

 Há 25 anos na instituição, Maura soube da aquisição pelo antigo mantenedor. No início, ficou ansiosa sobre o seu futuro, mas depois percebeuque o processo poderia abrir mais oportunidades tanto para ela quanto para osdemais. “E quem saiu o fez por outras razões”, lembra.

 Na verdade, o caso de Sorocaba traduz de forma clara o que Vonodiz sobre não existir uma receita de bolo. Em todas as suas aquisições, a Veriscostuma nomear um coordenador-geral em cada instituição. Na Uirapuru, noentanto, conforme explica o diretor, havia uma excelente coordenadora acadêmicaque deveria permanecer no cargo. Mas a parte operacional precisava de atenção e Maura não tinha como atender a essa demanda. “Para mantê-la, resolvemoscontratar alguém especificamente para a outra área. Estamos com doiscoordenadores, ao contrário das demais instituições”, conta Vono.

 O caso da Veris é um dos poucos em que o RH está envolvido desdeo início do processo de F&A. Como comenta Thais, da Hewitt, quase todas asdecisões, se não todas, em operações como essa dependem da estratégia daempresa. “E o problema é que boa parte do RH está longe da estratégia”, completa.

 Mesmo assim, Irene, da BBS dá alguns conselhos para o RH. Nasempresas em que ele é ouvido, a professora reforça a necessidade de a áreapreparar a liderança para os processos de demissão. Desligar um funcionário éuma tarefa árdua e os líderes não estão preparados para isso. Já para osexecutivos de RH que não têm espaço nas empresas, ela acredita que a F&Atende a ser mais complicada. A não ser que seja feito um trabalho de bastidorespor parte do RH, focando, além do preparo das lideranças, a identificação detalentos e os meios para retê-los. “Mas, se você não é ouvido na empresa, émelhor encontrar outra”, destaca Irene.

 E as fusões irão aumentar

 Apesar da atual turbulência nos mercados financeiros mundiais,44% das empresas privadas de capital fechado do mundo pretendem crescer pormeio de aquisições nos próximos três anos, revela o International BusinessReport (IBR), produzida pela Grant Thornton International, representada noBrasil pela Terco Grant Thornton. E 23% dessas empresas pretendem fazeraquisições internacionais. A pesquisa mostra que, para essas companhias, asfusões e aquisições locais e internacionais são importantes ferramentasestratégicas para impulsionar o crescimento.

 Entre os empresários brasileiros, esse número cresce para 64%. OBrasil é o segundo país da lista, atrás apenas da China (67%). Dos 64% dosempresários que pretendem fazer aquisições, 91% acreditam que expandirão seusnegócios adquirindo uma empresa nacional.

 De acordo com Rogério Villa, sócio da Terco Grant Thornton, asempresas que atuam em mercados emergentes vêem as fusões e aquisiçõesinternacionais como um modo de escalar de maneira mais veloz a cadeia de valor,especialmente por meio de aquisições de marcas e canais de distribuição nos EUAe Europa.

 Os números revelam que 59% dos empresários dos quatro principaispaíses emergentes, chamados de BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), tambémacreditam que as fusões e aquisições são essenciais para o crescimento nospróximos três anos. Esse resultado respalda a pesquisa feita pela GrantThornton International sobre otimismo, divulgada em janeiro, que mostrou que osempresários do BRIC são os mais otimistas do mundo. Por Gumae Carvalho Leia mais
Fonte: Revista Melhor

08 novembro 2012



0 comentários: