14 maio 2012

Por que as pechinchas voltaram a atrair Carlos Slim

Em 1982, quando o México tropeçou em uma crise financeira tão agressiva a ponto de desencadear o colapso da dívida da América Latina, os investidores mexicanos e internacionais debandaram em busca da porta de saída. Com exceção de um: Carlos Slim.

 Esse foi o ano em que Slim, atualmente o homem mais rico do mundo, mas na época um obscuro filho de 42 anos, de imigrantes libaneses, partiu para uma farra de compras para adquirir empresas mexicanas a preço de liquidação em setores tão diferentes quanto o de alumínio, cigarros, seguros e borracha.

 Esta semana ele voltou a essa prática, com a diferença de que desta vez sua área de atuação foi a Europa, acossada pelas dívidas. Na terça-feira, a América Móvil de Slim, maior operadora de telecomunicações da América Latina, anunciou seus planos de aumentar sua participação de 4,8% na KPN, a problemática empresa de telecomunicações da Holanda, para até 28%, num negócio no valor de € 3,2 bilhões.

 Após fracassar ao tentar entrar na Europa em 2007, bilionário viu nova chance com a atual crise no Velho Continente

 Eduardo García, fundador do site comercial Sentido Común, diz que a compra de empresas em situação difícil define o estilo operacional de Slim. "Ninguém está apostando na Europa, mas Slim vê as coisas de uma maneira evolutiva", diz ele. "Ele muitas vezes consegue ver o que o futuro reserva". Ignacio Cobo, um dos parceiros comerciais e melhor amigo de Slim, disse esta semana ao "Financial Times": "Carlos vê três dimensões onde qualquer outro vê apenas duas".

 Não está claro se o primeiro investimento significativo de Slim fora das Américas vai valer a pena. O empresário de 72 anos tentou ingressar na Europa antes, em especial em 2007, e teve repelido seu ataque à Telecom Italia. Mas sua estratégia de investir em empresas negociadas por preços inferiores ao seu valor intrínseco lhe garantiu, até o momento, uma fortuna de US$ 69 bilhões, segundo a revista "Forbes".

 Essa estratégia o atraiu em 2002 para o mercado brasileiro de telecomunicações - atualmente em surto de crescimento - quando o temor de um governo socialista sob o comando do então recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava reduzindo esmagadoramente os preços. [O bilionário investiu na Claro, Embratel e Net.] A estratégia também o levou para a Argentina, quando o país ainda andava mal das pernas após o colapso financeiro de 2001. Agora, uma situação igualmente problemática o levou à zona do euro: as ações da KPN, que opera na Alemanha, Bélgica e Espanha, tinham caído 30% este ano antes da iniciativa de Slim.

 O bilionário é meticuloso em procurar as pechinchas de que gosta. Com formação em engenharia civil, e tendo sido professor de álgebra e de programação linear quando estudante, ele consegue ler uma demonstração de resultados como a maioria das pessoas lê as páginas de esporte. Todo dia ele recebe um pedaço de papel cheio de caracteres em fonte minúscula com os mais recentes dados das cerca de 200 empresas que compõem seu império empresarial.

 "Ele sempre me dizia que os números falam com ele", diz Cobo. Isso provavelmente explica o amor de Slim pelo beisebol - embora ele raramente assista a uma partida, preferindo continuar a ler dados estatísticos brutos.

 Apesar de toda a sua riqueza, Slim cultiva uma imagem de desconcertante contenção. Num jantar oficial, em 2007, com o presidente George W. Bush, um dos convidados ficou assombrado ao vê-lo ocupando a suja poltrona de um ônibus alugado para o evento. "Ele podia ter chegado com toda a pompa e circunstância", lembra o convidado. "Mas lá estava ele, apenas esperando pacientemente - sem um guarda-costas à vista".

 Miguel Alemán Velasco, amigo de Slim há 40 anos, lembra-se de ter implorado ao bilionário, no início da década de 90, para que comprasse um Mercedes-Benz à prova de bala. "O México estava ficando mais perigoso, mas Carlos simplesmente não viu necessidade de fazer isso", recorda. "Ele estava satisfeito com seu Chevy".

 Embora sua aparência de sobriedade seja, inegavelmente, conveniente num país de enorme desigualdade social, os amigos insistem que ela não é apenas jogo de cena. "Ele gosta das coisas simples, é isso", diz um conhecido. Antes de ter-se submetido a uma cirurgia cardiovascular, em 1997, ele muitas vezes saía disfarçadamente de jantares formais para comprar um cachorro quente de um vendedor de rua. Atualmente, quando está em casa, tira a meia e o sapato e anda pela casa descalço.

 Viúvo desde a morte de sua esposa Soumaya, em 1999, ele se cerca de seus seis filhos. A família se reúne duas vezes por semana para comer. Seus netos muitas vezes passam na casa dele depois da escola. Ele manteve a casa de seus pais tal e qual era quando eles viviam e tem um Cadillac 1941 verde-garrafa - como o que pertencera a seu pai. "Nunca o dirijo", disse ele ao FT. "Mas muitas vezes abro a porta, sento à direção e fico lá pensando na vida e no meu pai". Apresentado à vida de empreendedor por seu pai, fundador da loja de departamentos Orient Star, ele mostrou talento imediato: segundo conhecidos, usava reuniões sociais para vender doces e cigarros.

 Ele foi avançando de um negócio sólido para outro. Mas o que o lançou para o clube dos megarricos foi a aquisição, em 1982, da Cigatam, uma indústria de cigarros que gerou um enorme fluxo de caixa livre. Isso lhe possibilitou financiar aquisições futuras e, em 1991, a comprar a Teléfonos de México (Telmex), o monopólio estatal de telecomunicações.

 Os críticos dizem que ele usou a posição dominante da Telmex para manter os preços artificialmente altos e para sufocar a concorrência, acusações que ele nega. Eles também chamam a atenção para o fato de Slim ter formado sua fortuna num país em que cerca de 50% da população vive abaixo da linha de pobreza. As autoridades antitruste recentemente o multaram em quase US$ 1 bilhão pelas supostas práticas de monopólio exercidas na América Móvil [controladora da Claro, no Brasil]. O cerne do conflito foi a tarifa de interconexão imposta pela empresa a outras teles. Mas na semana passada, em troca de concessões, o órgão regulador retirou a multa.

 Não há dúvida de que o dinheiro gerado pela Telmex em seu país de origem deu confiança aos mercados para financiar sua expansão no exterior, inclusive a participação de 16% na loja de departamentos Saks, e uma fatia de 7,3% no jornal "The New York Times". Seu império de telecomunicações tem 246 milhões de assinantes de celular nas três Américas. É possível que Slim encare a Europa e seu negócio com a KPN, além de seus méritos financeiros, como uma forma de aprender sobre como explorar melhor os mercados de telecomunicações da América Latina, em surto de crescimento, na medida em que amadurecerem. 

Perguntado na entrevista de 2007 sobre o acúmulo de sua fortuna descomunal, Slim insistiu que continuava realista. "Independentemente de eu ser o primeiro ou o milésimo [mais rico do mundo], não vou levar nada comigo para o túmulo". Não vai, mas mesmo assim ele acumula capital a uma velocidade vertiginosa. Por Adam Thomson | Financial Times (Tradução de Rachel Warszawski)
 Fonte: Valor Econômico 14/05/2012

14 maio 2012



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