08 abril 2012

Taleb quer sistema que 'goste da desordem'

Nassim Taleb vai logo avisando que as suas experiências com jornalistas são sempre frustrantes. 'Durante cinco anos eu dei entrevistas em que me perguntavam qual é o próximo cisne negro. A minha ideia toda não é a de prever eventos, e sim sobre como não quebrar com o cisne negro. Meu livro vendeu 3 milhões de cópias e ninguém entendeu.'

Taleb, 51 anos, está com a corda toda no encontro com o Estado no magnífico hall do Hotel Unique em São Paulo, onde se hospeda. Seu assessor avisou para não perguntar o que é 'cisne negro', para não irritá-lo, e a entrevista foi marcada, desmarcada e remarcada algumas vezes.

Que o assessor saiba: uma das primeiras coisas que o famoso escritor e financista libanês-americano faz, ainda que perfunctoriamente, é explicar o que é um 'cisne negro'. 'A ideia do cisne negro é que há nos sistemas eventos que você não pode prever', ele diz, sem ter sido perguntado.

Taleb dribla o aparente paradoxo de, sendo famoso por postular a imprevisibilidade dos grandes choques, ter ganhado dinheiro apostando na crise global. 'Sei que os seres humanos não conseguem prever, e se alguém monta um sistema baseado em previsões (referência aos modelos de avaliação de risco de bancos e bancos centrais), eu posso prever que ele vai entrar em colapso.'

O conceito de cisne negro, título do seu livro mais famoso, refere-se a acontecimentos absolutamente imprevisíveis - normalmente usado para fatos grandiosos e negativos, como a crise global, também é aplicável a eventos positivos, como a Primavera Árabe ou a internet.

'Cisne negro' era uma expressão que designava uma impossibilidade, já que os europeus achavam que todas as aves dessa espécie eram brancas. Quando, porém, um navegador holandês flagrou cisnes negros na Austrália, em 1697, a expressão passou a denotar falsas impossibilidades.

A ideia básica de Taleb é que, diante da imprevisibilidade dos cisnes negros, a melhor estratégia é estar sempre pronto para o pior. Quando a ave soturna aparece, tudo que é frágil quebra.

O pensamento de Taleb, poliglota que fala inglês, francês, espanhol, italiano e árabe, e lê em línguas mortas como latim, grego clássico e aramaico, não parou de evoluir depois que ele foi alçado à celebridade global pela conjunção entre o então recém-lançado A Lógica do Cisne Negro e a eclosão da crise mundial - o livro, de 2007, tem trechos proféticos sobre a catástrofe.

'É estranho, a maior parte das pessoas faz o seu trabalho principal antes de se tornarem famosas, mas eu fiz a maior parte do meu depois de ficar famoso. Eu passo os dias trancado na minha biblioteca, trabalhando.'

De uma família rica e influente de cristãos ortodoxos do Líbano, mas abalada pela guerra civil, Taleb teve uma educação esmerada e é profundamente versado em literatura e filosofia. Seus estudos universitários, mestrado e doutorado foram feitos em universidades de primeira linha na França e nos Estados Unidos.

Uma de suas principais especializações é a matemática, que o levou a uma carreira como operador de derivativos (instrumentos financeiros complexos) em diversas instituições financeiras internacionais. Ele fez fortuna com grande tacadas nos crash de 1987 e na crise de 2008 e 2009, apostando nos 'cisnes negros'.

Hoje, Taleb dedica-se quase em tempo integral a escrever seus livros e trabalhos de cunho filosófico e matemático. Professor da Universidade de Nova York, ele admite que ensina muito pouco atualmente.

O seu próximo livro, a ser lançado em setembro, vai se chamar Antifragilidade - palavra que cunhou e que vê como o verdadeiro contrário da fragilidade.

Assim, um sistema frágil sofre enormes perdas quando ocorre um 'cisne negro' como a crise global. Um sistema robusto não se abala. Um sistema antifrágil, de forma inversa ao frágil, ganha com as turbulências, 'melhora com a desordem'.

Durante sua palestra na quinta-feira no evento Itaú BBA+Macro Vision, no Unique, Taleb usou metáforas mitológicas para explicar os conceitos. A fênix é robusta porque renasce quando morre. Já a hidra é antifrágil: quando tem uma cabeça cortada, duas nascem no lugar.

Ele vê fragilidade nas grandes estruturas construídas de cima para baixo pelo planejamento humano, em que decisões individuais carregam peso enorme, e levam a erros de imensas proporções. As interconexões da globalização também multiplicam o efeito deletério dos erros.

Inversamente, sistemas que crescem organicamente com múltiplos e pequenos centros de decisão autônomos, com gestão de risco relativamente estanque, são antifrágeis e se aperfeiçoam quando submetidos a choques e estresse. Para que isso ocorra, porém, é preciso deixar que a punição atinja os que erraram. 'As coisas se tornam antifrágeis porque quem erra é punido.'

E esse é um dos conceitos que levam Taleb a execrar o presidente americano, Barack Obama, o chairman do Federal Reserve (banco central dos EUA), Ben Bernanke, e o secretário do Tesouro, Tim Geithner. Para Taleb, os dois últimos comeram mosca ao não perceberem os imensos riscos financeiros às vésperas do colapso do Lehman Brothers. E, junto com Obama, conduziram a política econômica de saneamento dos bancos, expansão monetária e aumento da dívida pública que, para Taleb, transfere dinheiro 'dos poupadores e das pessoas inteligentes que trabalham duro para aqueles que cometeram erros'. Esses últimos, para ele, englobam bancos e mutuários inadimplentes.

O escritor considera o atual presidente americano um 'demagogo', e vai ao ponto de dizer que, como imigrante, a ideia que ele tinha da América não era a 'União Soviética que estou tendo agora com Obama'.

Apoio. Taleb apoia o libertário Ron Paul para presidente dos Estados Unidos, embora saiba que seu candidato não tenha chances de ser escolhido para concorrer pelos Republicanos. Paul é célebre pelas propostas radicais para reduzir os gastos públicos, como o retorno de todas tropas americanas estacionadas no exterior e a redução drástica de programas do governo. Ele defende também uma auditoria do Fed (apoiada por Taleb) e até o fechamento do BC americano.

Conselheiro do primeiro-ministro britânico, David Cameron, do Partido Conservador, Taleb não hesita em triturar as qualidades políticas do seu pupilo. 'Ele (Cameron) não consegue executar, ele me irrita, não é a Margaret Thatcher', dispara.

Para Taleb, a ex-primeira-ministra conservadora - que, segundo ele, vetava a presença da BBC onde estivesse - era 'robusta' diante das críticas, mas Cameron é frágil, e 'se o Times de Londres disser alguma coisa ruim sobre ele, fica aborrecido'.

Taleb admira a coragem nos governantes, que vê na presidente Dilma Rousseff. Referindo-se à foto da presidente diante de interrogadores na época do regime militar, ele diz que 'ela é dura, toma posição, tem coragem'.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também recebe comentários elogiosos de Taleb, por ter 'protegido os muito fracos' com sua política social, a única exceção que o escritor admite na sua filosofia libertária.

Quanto ao Brasil, onde já veio cinco vezes, e tem laços familiares (a falecida socialite Josephine Jordan era irmã do seu avô), Taleb é otimista: 'Vocês passaram por muito estresse e agora estão melhores do que os Estados Unidos, a sua moeda vale o dobro do que valia da última vez que vim aqui'.Por FERNANDO DANTAS Fonte:estadao08/04/2012

08 abril 2012



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