19 abril 2012

Médico e o novo modelo de negócio; como será essa relação?

Mudanças comportamentais, tecnológicas e epidemiológicas vão reformular o modelo de negócios dos hospitais, que precisarão seguir novas diretrizes para ter sucesso

Fábio Teixeira, da Beneficência Portuguesa: "As unidades de saúde irão sair das parcerias entre operadoras e entrarão numa fase de alianças estratégicas"

Considerado um dos papas da administração, Peter Drucker afirma que uma das instituições mais difíceis de administrar é o hospital, que possui uma gama de profissionais diferentes, com formações muito específicas presentes em um grande conglomerado, com um objetivo comum. Além disso, processos assistenciais, relacionamento com clientes e, principalmente, o custo, tornam as unidades de saúde um verdadeiro desafio de gestão.

O atual modelo de negócio destas instituições é focado no relacionamento das unidades de saúde com médicos, operadoras e pacientes. Segundo a coordenadora do centro de estudos em planejamento e gestão de saúde da Fundação Getúlio Vargas (GVsaúde), Ana Maria Malik, este modelo sofrerá algumas mudanças nos próximos anos. “Já existem muitas pessoas dizendo que o médico não deve mais ser visto como um cliente do hospital, mas, sim, como parceiro, pois ele participa dos resultados do serviço, seja financeiro ou pelo volume de atividades executadas dentro do hospital.”

Em relação às operadoras, a coordenadora do GVSaúde afirma que a grande dúvida que paira sobre este modelo de negócio é até quando ele será sustentável e qual modelo o substituirá. “Hoje, hospitais e outras instituições de saúde tem fortalecido suas atividades junto aos seus clientes para aproximá-los cada vez mais. No entanto, este modelo deixará de ser sustentável e caminha para um futuro ainda incerto.”

Para o superintendente do Hospital Sírio-Libanês, Gonzalo Vecina, este modelo de negócio não deverá sofrer alterações em um período de cinco anos. Já no médio e longo prazo este movimento deve mudar para institucionalização do médico.

“O mercado continuará se concentrando em torno de operadoras como tem ocorrido, pois isso tem uma lógica natural. Já nos hospitais, a tendência é de verticalização, principalmente para o oferecimento de serviços menos complexos para as classes B- e C, mas a alta tecnologia, com sofisticação no produto oferecido, continuará existindo. Dessa forma, o médico passará a fazer parte do projeto do hospital no que diz respeito ao negócio e sempre estará incluso na alta complexidade, no desen­­­­volvimento do ensino e da pesquisa junto com a questão da assistência.”

“Eu falo isso olhando um pouco para o modelo americano de desenvolvimento dos grandes hospitais. Acho que este é um caminho que devemos trilhar. Com o adensamento tecnológico, cada vez mais, o hospital vai precisar ter alternativas de relacionamento com o médico, pois estes avanços têm evidentes consequências no ponto de vista econômico e financeiro.”

Sobre o movimento de verticalização, o superintendente do Sírio-Libanês explica que essa tendência terá mais impacto em empresas que lidam com as classes B-, C e D. No caso dos hospitais de excelência, o impacto é muito pequeno, ou praticamente inexistente. “Acredito que esta seja a forma de se jogar o jogo, e não podemos reclamar disso, o problema é não jogá-lo. A verticalização faz parte dele. Ela não tem a capacidade de resolver a alta complexidade e sofisticação, pois tem uma adequação muito personalizada a uma determinada clientela e um corpo clínico diferenciado”, acrescenta.

O diretor geral do Hospital Israelita Albert Einstein, Henrique Neves, levanta outro ponto fundamental que influenciará na gestão das instituições de saúde nas próximas décadas: o envelhecimento da população aumentará a demanda por serviços. “Combinado com isso, vem o aumento da longevidade e os avanços tecnológicos que ocorrerão na medicina e elevarão os custos da saúde”, acrescenta.

Para lidar com essa questão, o executivo do Einstein apresenta algumas respostas. A primeira delas é a consolidação desse mercado, com o desaparecimento de pequenos hospitais e o surgimento de sistemas de saúde, movimento contrário ao que ocorre hoje com o modelo hospitalocêntrico, onde o hospital é o centro de atenção à saúde. A consequência disso são unidades sobrecarregadas, tanto no sistema público, quanto privado. No sistema de saúde do futuro, pequenas unidades como UBS, AMAs e UPAs – já utilizadas pelo SUS – desafogariam os hospitais, referenciando a demanda para estas instituições. “Outros pontos que veremos são a verticalização dos planos de saúde e o comprometimento das empresas com a saúde dos funcionários, pois são as organizações que suportam a maioria das operadoras.”

Segundo Neves, dentro desse panorama, existem algumas consequências. A primeira delas é a importância do médico como gestor dessa demanda e como integrador dos diversos profissionais envolvidos na assistência. “O cuidado médico hoje é cada vez mais multidisciplinar, e uma questão vital dentro desse tema é a valorização desse profissional”.

Outras consequências apresentadas pelo executivo são: a promoção e prevenção da saúde e a importância da melhoria do processo de coleta e transparência das informações para que as decisões de investimento possam ser priorizadas.

O comportamento do paciente também mudará e apresentará forte influência sobre as decisões de tratamento. “Estaremos diante de um paciente mais informado e participante das decisões sobre sua saúde. Ele terá a capacidade de entender a situação, saber quais são os tratamentos disponíveis e interagir com o médico de uma forma mais igualitária do que no passado”, completa Neves.

Transformação assistencial

O futuro da gestão nas instituições de saúde não traz mudanças apenas nos modelos de negócio ou na relação entre médico e hospital, mas também na forma da prática assistencial. Segundo o superintendente do Hospital Moinhos de Vento, João Polanczyk, a atenção será voltada para uma medicina mais generalista, mas sem perder as especialidades, que hoje recebem grandes investimentos dos hospitais.

Para ele, tal modelo será exercido, principalmente, em dois ambientes. Um deles será na atenção primária, como o Programa Saúde da Família (PSF) e unidades básicas de saúde, o outro será nos hospitais. “Os pacientes não precisam de especialistas e, sim, de médicos que vejam o homem como um ser integral”, ressalta.

Com esta visão de futuro, o Moinhos de Vento já estuda abrir uma unidade própria, na capital gaúcha, que contemple este tipo de prática. “Pretendemos criar uma unidade para trazermos os melhores clínicos gerais de Porto Alegre”, acrescenta Polanczyk.

Para o superintendente corporativo do Hospital Samaritano de São Paulo, Luiz De Luca, os hospitais privados passarão a fornecer atenção ao Estado, o que caracteriza outra transformação. “Quando olhamos o mercado e vemos que o nosso cliente também é o governo, podemos dar uma contribuição na área assistencial e ele será nosso parceiro”. Ainda segundo De Luca, o estado não tem condições física, econômica e de gestão para prover o atendimento da melhor forma possível à população e é neste ponto que o setor privado entra.

“Diante desse universo de mudanças frente ao modelo existente, o governo também precisa repensar sua forma de atuação no setor, tornando seu desempenho menos burocrático e permitindo menor grau de regulamentação de suas atividades e maior flexibilidade na participação do setor privado”, contribui Neves

O papel do médico

A mudança na relação entre médico e hospital, segundo De Luca, não está relacionada com o modelo de contratação. “O hospital pode trabalhar isso em termos de centro de pesquisas, geração de pacientes, fluxo de assistência, etc. Se isso estiver relacionado ao negócio do hospital, a atividade econômica é uma decorrência do modelo desenhado, independente da forma de contratação, pessoa física ou jurídica.”

Alianças estratégicas

O superintendente corporativo do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, Fábio Teixeira, vê uma busca dos hospitais por uma eficiência operacional maior. Para ele, as unidades de saúde irão sair das parcerias com as operadoras e irão entrar numa fase de alianças estratégicas. “Hoje temos um contingente muito grande nas instituições de saúde para cuidar dos processos burocráticos. No futuro, essas organizações tenderão a realizar alianças para reduzir não só o número de profissionais destinados a este processo, mas também a burocracia entre as partes que gera um grande custo.”

Dentro do processo de governança corporativa e profissionalização da gestão, o superintendente, em linha coms os demais gestores, vê uma composição efetiva do médico, que estará cada vez mais inserido na estratégia dos hospitais. “Ele deixará de ser apenas um usuário e começaria a fazer parte do negócio, participando da elaboração de novos produtos, definindo estratégias etc. Com a evolução da saúde, o médico passa a ter uma participação no negócio.”

Com o mesmo perfil de atendimento público e privado da Beneficência Portuguesa, outras instituições de saúde enfrentam o mesmo desafio que o hospital paulista, ou seja, manter a continuidade em seus investimentos. “Um hospital como o nosso, que possui mais de mil leitos, exige investimentos constantes. A Beneficência estará cada vez mais inserida dentro desse sistema de saúde, e é considerada uma ferramenta importante para o acesso de pacientes ao SUS. Há uma tendência de fazermos algumas alianças estratégicas com as operadoras, afim de aumentar nossa eficiência operacional e redução de custo para que possamos ter mais recursos para investir.

Segundo De Luca, nos próximos anos, a gestão irá contra qualquer tipo de modismo, como marketing da tecnologia, diferenciação sem competência ou, ainda, focar o negócio somente em pacotes. “Não acredito que ocorrerá uma gestão por impulsos nos hospitais no futuro, estas ondas são intempestivas e em quatro anos teremos situações totalmente diferentes. Se o gestor seguir uma linha que é uma dessas ondas, haverá grandes chances de ir para o lugar errado”, completa.

Tecnologia

A incorporação de novas tecnologias é uma tendência inevitável para as instituições de saúde. De acordo com De Luca, o hospital que adquirir tecnologia fora de sua competência estará cometendo um erro. “Incorporação tecnológica, para mim, precisa estar diretamente ligada à melhoria da assistência. Acho difícil que as instituições passem a incorporar tecnologias médicas, algumas delas muito caras, simplesmente por modismo.”
O executivo do Samaritano vê no futuro um consumo mais racional dessa tecnologia, em que hospitais passarão a incorporará-las de uma forma que complementem ou melhorem as competências desenvolvidas pela instituição. “A prática assistencial e os protocolos não estão necessariamente atrelados às tecnologias desenvolvidas.”

O que podemos aprender com o mercado?

Antes de assumir a diretoria do Hospital Israelita Albert Einstein, Henrique Neves atuou nos setores de aviação, petróleo e telecomunicações, que possuem modelos de gestão consolidados. Segundo ele, muitas das práticas destes segmentos são aplicáveis ou adaptáveis à área de Saúde, como por exemplo, as das áreas de finanças, recursos humanos, suprimentos e logística, segurança, saúde ocupacional e meio-ambiente e TI.

”Não há uma transferência direta de tecnologia de gestão de um setor para o outro, mas um processo de adaptação e de descoberta de sinergias entre as práticas. A diferença mais dramática é que os outros modelos têm, frequentemente, o objetivo de maximização do resultado financeiro, o que certamente não pode ser o do setor de Saúde, em que o paciente e suas necessidades estão em primeiro lugar.”

De acordo com Neves, as experiências nas áreas de finanças e controles, recursos humanos e segurança, saúde ocupacional e meio ambiente permitiram uma reutilização dos conceitos e processos, com as devidas adaptações. Na área de tecnologia de informação foi possível também importá-los, mas a complexidade das questões relacionadas com o prontuário eletrônico constitui-se em um desafio ainda não resolvido.

Para De Luca, que também possui experiência em outras áreas, o setor de saúde ainda tem muito a aprender com os demais segmentos da economia, principalmente quando o tema é relação contratual. “Um setor maduro tem uma relação contratual forte, em que o cliente compra e tem todas as informações necessárias sobre valores e prazos. Na saúde, essa relação é fraca, assimétrica, determinadas informações não são claras entre as partes. Portanto, o segmento só vai melhorar se profissionalizar, de maneira mais madura, a partir da contratualização. Enquanto isso não ocorrer, continuaremos tendo problemas”.
Fonte:saudeweb 11/04/2012

19 abril 2012



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