02 abril 2012

Endividamento leva usinas à venda

Na região Centro-Sul, pelo menos um terço das 360 usinas enfrenta dificuldades para quitar financiamentos de safras passadas

Com a crise no setor sucroenergético, usinas endividadas estão sendo colocadas à venda para acertar as contas com bancos. Na região Centro-Sul, pelo menos um terço das 360 usinas enfrenta dificuldades para quitar financiamentos de safras passadas, estima a União da Indústria da Cana (Unica).

Em São Paulo, maior produtor de etanol do País, corretores informam que entre 30 e 40 unidades - ou 20% das 180 usinas do estado - estão nas carteiras de venda ou esperam acordos para fusões, parcerias ou incorporações, numa tentativa desesperada de continuar na ativa. Atingida na ponta da cadeia, a indústria de base demite e reduz faturamento por falta de investidores para novas usinas.

Segundo Antônio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da Unica, as intempéries climáticas, o aumento dos custos de produção e a volatilidade de preços do etanol levaram as usinas à situação atual. Nesse cenário, mesmo grupos que não chegaram a colocar ativos à venda, estão enfrentando dificuldades financeiras.

"Por falta de pagamento de dívidas anteriores ou falta de bens para garantia, os bancos não aceitam conceder novos financiamentos para essas empresas", afirma Pádua. Sem garantias, as empresas não têm como fazer novos financiamentos para tocar atividade, seja no campo, com a renovação dos canaviais e tratos culturais das plantações, ou na indústria, com a manutenção dos equipamentos e estocagem da produção. "Algumas dessas usinas também enfrentam problemas societários, por isso, os donos as colocaram à venda", esclarece Pádua.

Além das usinas, dezenas de projetos de novas unidades, especialmente nos estados do Centro-Oeste, também foram colocados à venda. A reportagem constatou que pelo menos 10 destes projetos estão sendo oferecidos por corretores de São Paulo, mas assim como no caso das unidades físicas, não há interessados. "Além da crise no setor, o valor das dívidas é maior que o patrimônio líquido dos imóveis, afastando compradores. Se não há interessados pelas usinas, imagine para os projetos", diz Atílio Benedini, dono de uma das maiores corretoras rurais da região de Ribeirão Preto.

Na semana passada, a carteira de Benedini contava com 12 usinas e 10 destilarias à venda, além de quatro projetos de novas unidades em São Paulo, dois no Mato Grosso do Sul e dois em Goiás. A falta de compradores também se deve ao valor das usinas, cerca de US$ 100 por tonelada de cana instalada. "Os investidores acham que é muito alto", afirma Benedini.

E há um excesso de ofertas no mercado. "Um investidor me disse que tem uma carteira com38 usinas colocadas à venda, mas também existe cautela porque a situação no setor é considerada e risco ainda", diz Benedini.

"Eu diria que há mais de 40 usinas sendo negociadas neste momento", garante o corretor Roberto Barrancos, da região de Araçatuba, que atua na comercialização de grandes usinas.

Mas há também quem esteja atrás de novas oportunidades, garante o corretor Wilson Lucas, de Marília, que tem 33 usinas listadas em seu site de comercialização, 17 delas de grande porte. "São proprietários que possuem dívidas com bancos, mas nenhuma está sendo colocada à venda por causa disso. Eles estão atrás de oportunidades", diz. Segundo ele, essas oportunidades seriam potenciais compradores estrangeiros -95% do total -, principalmente da China, Estados Unidos e Índia, e alguns da América Central, Venezuela e países Árabes.

Negociações. Nem corretores nem usineiros revelam os nomes das empresas, mas elas variam de pequenas a grandes projetos, dos mais variados tipos de proprietários. Como a usina Itamarati, na região de Cuiabá (MT), que chegou a ser a maior usina do País e foi colocada à venda nesta semana pela proprietária, Ana Cláudia de Moraes, filha do ex-rei da soja, Olacyr de Moraes. Na safra passada, a usina, que tem capacidade para 6,3 milhões de toneladas de cana, processou 4,4 milhões de toneladas - a previsão é 5,2 milhões de toneladas na safra 2012/2013-, mas dívidas de R$ 1,5 bilhão com fornecedores, tributos e bancos não puderam ser renegociadas. O banco norte-americano J.P. Morgan estaria acompanhando a negociação dos ativos.

Outras duas grandes usinas colocadas à venda, em São Paulo, seriam a São Luiz, em Pirassununga, e São João, em São João da Boa Vista, do grupo espanhol Albengoa Bioenergia, que não teria ficado satisfeito com os resultados das empresas, adquiridas da Dedini Agro, em 2007. Os espanhóis pagaram pelas usinas US$ 297 milhões e assumiram outros US$ 387 milhões em dívidas. A expectativa do grupo era processar 7,2 milhões de toneladas, mas processou cerca de 4,5 milhões na safra passada. Além de problemas na administração das duas unidades e um resultado negativo de R$ 50 milhões em 2010, empréstimos de R$ 450 milhões levaram o grupo a decidir por se desfazer das duas usinas. O banco Credit Suisse assessora a negociação.

Usinas paradas. Sem compradores, a alternativa das usinas é paralisar as atividades, "Temos informações de que até agora ao menos oito unidades vão parar nesta safra", afirma o presidente da União dos Produtores de Bionergia (Udop), Celso Torquato de Junqueira Franco. No dia 13, a Força Sindical divulgou uma lista com 24 usinas que deixariam de moer na safra 2012/13, número contestado pela Unica.

No Paraná, a situação é pior, das 30 usinas do estado, dez por cento delas, três unidades (Corol, Casquel, e Goioerê) deixarão de moer, informa o superintendente da Associação dos Produtores de Alcool e Açúcar do Paraná (Alcopar), Adriano da Silva Dias. O estado do Paraná, que chegou a ser o segundo maior produtor do País, caiu para quarto. "A falta de renovação dos canaviais, as intempéries climáticas, somados aos altos custos operacionais e a incerteza da atividade, levam o produtor a desistir da atividade", afirma Dias.

Segundo ele, além da crise, o estado do Paraná é vítima da guerra fiscal. "Hoje o etanol produzido no Mato Grosso Sul é entregue aqui a preços mais baixos que o produzido em nosso estado", afirma Dias. "Talvez por isso, dos 2 bilhões de litros produzidos naquele estado, apenas 300 mil são consumidos por lá", completa.

Matriz energética. O problema, segundo os usineiros, está na falta da capacidade do governo em definir o papel do etanol na matriz energética brasileira. "Enquanto não houver uma política clara, de longo prazo, estabelecendo regras e critérios para o etanol na matriz energética, não haverá como acabar com essa crise", afirma o diretor técnico da Unica, Antonio de Pádua Rodrigues. Segundo ele, Unica e governo estão retomando os diálogos para entendimento neste sentido. "Houve mudanças internas na Unica para facilitar esse entendimento, que deve ser feito, pelo lado do governo, possivelmente pela Casa Civil", diz.

"É preciso que o etanol tenha as mesmas condições de concorrência da gasolina, que ficou por seis anos sem reajuste", afirma Celso Junqueira Franco, presidente da Udop. "É preciso que o governo defina a participação do etanol na matriz energética, estabelecendo mecanismos para que o setor possa direcionar seus investimentos e continue a crescer", completa. Dias, da Alcopar, concorda. "Nenhum produtor consegue sobreviver com a perda de competitividade do etanol para a gasolina". Por CHICO SIQUEIRA
Fonte:OEstadodeSPaulo02/04/2012

02 abril 2012



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