21 março 2012

O papel da identidade para uma fusão de sucesso

Em uma sala de aula do ensino fundamental, quem disser que 1+1=1 pode esperar uma nota baixa do professor de matemática. Contudo, no mundo das fusões e aquisições, 1+1=1 é o objetivo das empresas. Em outras palavras, a ideia é que seus processos, produtos e pessoal se integrem perfeitamente.

Na tentativa de fazer um acordo bem-sucedido, porém, muitos executivos do alto escalão fixam sua atenção nos aspectos financeiros das fusões e negligenciam as implicações psicológicas do processo, observa John Kimberly, professor de administração da Wharton. Em um novo estudo, "Quando 1+1=1: o papel central da identidade na matemática da fusão" (Making 1+1=1: The Central Role of Identity in Merger Math), Kimberley e Hamid Bouchikhi, professor da Escola de Negócios ESSEC, da França, discutem os erros mais comuns que as empresas cometem ao tentar promover a integração da identidade corporativa, bem como quatro estratégias para que a transação funcione também no plano emocional.

De acordo com Kimberley, a "matemática" tradicional da fusão requer que a soma de um mais um seja maior do que dois, isto é, que a fusão de duas empresas crie uma instituição financeiramente maior do que a soma de suas partes. Os executivos tendem a dar atenção máxima a esse princípio detendo-se na arquitetura financeira do negócio. Contudo, Kimberley diz que a "nova" matemática é composta de duas partes: sinergia econômica e sinergia psicológica.

Além disso, diz o pesquisador, as empresas não devem confundir identidade com cultura. "A cultura diz respeito 'ao jeito que fazemos as coisas por aqui'. A cultura é muito poderosa e extremamente importante, e as diferenças culturais entre uma empresa e outra devem ser levadas em conta em qualquer tentativa de combinar as respectivas operações." Kimberley, porém, observa que as questões de identidade estão mais profundamente engastadas no tecido geral das empresas, bem como na forma como seus funcionários veem a si mesmos. "É a resposta à pergunta 'quem somos?' As áreas em que houver consenso sobre 'quem somos' proporcionarão a base da identidade da empresa."

A fusão de duas ou mais empresas "rompe seriamente com as identidades das duas companhias envolvidas, gera temor ou perda de identidade em um ou em ambos os lados, além de suscitar dúvidas quanto à identidade da nova combinação, o que poderá tolher a confiança no novo empreendimento e a identificação com seus propósitos", observam os autores. A integração "não poderá ser bem-sucedida enquanto os funcionários da nova entidade não sentirem que pertencem a uma empresa apenas, com a qual se identificam, e para a qual se sentem motivados a contribuir".

Em alguns casos, as identidades das empresas de uma possível fusão podem ser de tal forma distintas que "não importa o que se faça no período posterior à fusão, nada dá certo", diz Kimberley, ressaltando que isso é verdade principalmente, por exemplo, quando duas empresas que pensam em se fundir foram durante anos a fio concorrentes ferozes. "Esperar que os funcionários de ambas as companhias se tornem subitamente grandes colaboradores é, no mínimo, forçar um pouco a situação." Outro cenário que merece atenção ocorre quando duas empresas atenderam durante muito tempo dois segmentos diferentes de clientes, com serviços distintos, e que requerem estratégias organizacionais e administrativas diferentes. Embora a ideia de ampliar os segmentos de clientes servidos pela empresa seja sedutora do ponto de vista da economia, o fato é que as rotinas da empresa, profundamente arraigadas no dia a dia, bem como suas consequências psicológicas, podem interferir, adverte Kimberley.

A malfadada fusão entre a Dean Witter e o Morgan Stanley mostra o perigo de subestimar o significado da dimensão psicológica, diz Kimberley. É por isso que os pesquisadores enfatizam a ideia de que as empresas precisam começar a pensar no assunto no início de qualquer processo de fusão. Analisar profundamente a identidade de uma empresa (sobretudo se for concorrente) pode ser tarefa difícil nos primeiros estágios da aquisição, em que tudo é muito sigiloso. "Pode-se recorrer a especialistas externos habituados a esse tipo de avaliação; ouve-se, então, o que têm a dizer, porque eles têm acesso a dados que a empresa não tem", observa Kimberley. "Em seguida, é preciso avaliar se as informações apresentadas são convincentes."

Possíveis armadilhas

No momento em que os executivos chegam à conclusão de que a barreira da identidade pode ser vencida, Kimberley os aconselha a que reflitam desde logo sobre o tipo de estratégia de integração que planejam utilizar. No estudo, Kimberley e Bouchikhi usam diversos exemplos do mundo real para detalhar os erros mais comuns que as empresas tendem a cometer ao lidar com o impacto emocional das fusões e aquisições.

Muitas empresas preferem simplesmente ignorar o fator da identidade. Os pesquisadores relatam o caso da SSL International, uma empresa com que trabalharam e que foi o produto de uma fusão de três anos. A empresa esperou mais de dois anos depois de concluída a transação para se dedicar deliberadamente à integração de identidade — e só depois de uma crise muito séria o conselho decidiu trazer um CEO de fora.

A partir do momento em que a empresa começou a pensar na questão da identidade, os executivos se deram conta de que embora operassem no mesmo setor, não havia uma conexão entre ambas porque alguns profissionais haviam dedicado sua carreira à fabricação e venda de produtos para clientes de grande porte, enquanto outros se dedicaram à fabricação e à comercialização de produtos de marca através do varejo. "Por fim, a administração desfez o investimento feito no atendimento à clientela de grande porte para se dedicar à integração dos setores que trabalhavam com produtos de marca vendidos diretamente ao consumidor", observam os autores no estudo.

Em outros casos, as empresas podem cometer o erro de confundir cultura com identidade. Para ilustrar essa armadilha, os autores citam o caso da tentativa de fusão das agências locais da caixa econômica francesa Caisses d'Epargne. Os funcionários tinham valores e modos de pensar semelhantes, porém um dado importante de suas identidades consistia em ver sua agência como unidade independente e distinta das demais. A fusão criou uma oposição entre "nós e eles que a cultura não foi capaz de evitar", observam os pesquisadores.

Outra armadilha comum consiste em confundir as características externas como, por exemplo, o nome ou o logo da empresa, com sua identidade. Os autores observam, entre outras coisas, que quando a SBC Communications adquiriu a AT&T em 2005, a SBC preferiu usar o nome da outra empresa para batizar o novo empreendimento. Todavia, a maior parte da equipe executiva posterior à fusão, inclusive o presidente, o CEO, diretoria financeira, bem como os executivos das áreas de estratégia e recursos humanos eram da SBC. Portanto, foi a identidade daquela empresa que prevaleceu, dizem os pesquisadores.

Os executivos se preocuparam tanto também em vender a fusão para o público externo — no caso, acionistas e o público em geral — que se esqueceram de granjear suporte interno. As empresas podem igualmente ter problemas se a liderança emitir sinais confusos sobre a integração de identidade — expondo verbalmente um plano enquanto toma atitudes que sugerem uma estratégia totalmente distinta. "Eles estão tentando comunicar alguma coisa ao público, e o estão fazendo sem pensar nas implicações", diz Kimberley. "Quando se muda a marcha e se faz meia volta, de repente se produzem inúmeras consequências, tanto interna quanto externamente, e com as quais será preciso lidar."

No estudo, os autores citam o exemplo da compra, pela Kraft, da Cadbury, com sede no Reino Unido. Embora os executivos da Kraft tenham afirmado publicamente sua intenção de preservar a identidade da empresa adquirida, "a decisão inicial de desmontar a sede corporativa da Cadbury e transferir a tomada de decisão para a sede da Kraft em Zurique, na Suíça, é sinal de que a Cadbury deverá desaparecer".

Soluções

Kimberley e Bouchikhi apresentam quatro estratégias possíveis para a integração de identidade: assimilação, confederação, federação e metamorfose. A assimilação ocorre quando uma empresa é completamente absorvida pelas operações e pela identidade da outra. No outro extremo, a confederação permite que ambas as empresas preservem suas identidades, nomes, estrutura de administração e tomadas autônomas de decisão. Em algum lugar entre uma e outra está a federação, em que as empresas fundidas preservam suas identidades, mas desenvolvem também um caráter mais amplo em que ambas podem prosperar. Por fim, a metamorfose leva ambas as empresas a dissolver a identidade anterior e a criar uma nova entidade que não existia antes da fusão.

Antes de decidir que rumo tomar, a liderança da empresa deve levar em conta em que medida deseja fazê-lo e em que medida seria prudente, do ponto de vista da estratégia, preservar as identidades das empresas participantes da fusão. "É importante que a alta administração compreenda essas quatro abordagens diferentes e o que elas significam no que se refere a quanto é preciso saber sobre seu sócio no sentido operacional e também no que se refere à sua identidade antes que a fusão seja consumada", avalia Kimberley. A fusão mais acentuada das identidades — por exemplo, pela assimilação — costuma gerar maiores economias de custo, acrescenta, porém tal método requer também maior atenção às questões de identidade.

Kimberley cita o caso da fusão da montadora japonesa Nissan com a francesa Renault e da Air France com a companhia aérea holandesa KLM como exemplos de confederações em que a empresa compradora (nos exemplos citados, Renault e Air France) não modificaram a identidade das companhias adquiridas, introduzindo ao mesmo tempo novas práticas de fabricação e gestão. "Em algum momento, em ambos os casos, essas empresas se tornarão entidades mais plenamente integradas", diz Kimberley. "Nesse momento, a liderança terá de confrontar novamente a questão da identidade, de quem pretende ser. Será KLM ou Air France? Renault ou Nissan, ou será que pretendem manter as marcas diferenciadas?"

Muitas vezes, o fator decisivo nesse debate remete aos custos relativos de permanecerem separadas as unidades em comparação com o valor gerado pela manutenção de uma ou de ambas as identidades. A Unilever, por exemplo, comprou a empresa de sorvetes Ben & Jerry's em 2000, mas fez o que pôde para manter sua autonomia — a tal ponto que é difícil encontrar uma menção do conglomerado anglo-holandês no site da marca com sede em Vermont. "A Ben & Jerry's tem uma marca muito característica e uma percepção muito especial de quem é e de que maneira se distingue de outras empresas que também produzem sorvete", diz Kimberley. "Trata-se de uma identidade muito clara, distinta e que gera valor."
Fonte:whartonuniversia

21 março 2012



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