14 março 2012

Empresas abertas mantêm mais de R$ 280 bi em caixa

Caixa robusto será mantido a despeito da queda do juro

As empresas de capital aberto têm em caixa mais de R$ 280 bilhões e essa montanha de recursos não utilizados torna-se bem menos rentável com os cortes sucessivos na taxa básica de juros (Selic) feitos a partir de agosto e acentuados na semana passada. Mas isso não está funcionando como incentivo para que as empresas reduzam sua liquidez acelerando ou ampliando investimentos no setor produtivo ou reduzindo seus níveis de endividamento

Os mais de R$ 280 bilhões que as principais empresas de capital aberto do Brasil têm em caixa devem render bem menos neste ano, por conta da redução da taxa básica de juros Selic, que começou em agosto e foi acentuada na semana passada. Se o juro médio ao longo de 2011 foi de 11,6%, neste ano deve ficar perto de 9,4%, segundo Boletim Focus do Banco Central. Em termos de rentabilidade, a queda é de quase 20%.

Considerando um saldo médio de caixa estável em R$ 280 bilhões ao longo do ano, são cerca de R$ 6 bilhões a menos para as empresas em rendimento com as aplicações financeiras. Os dados sobre posição de caixa e aplicações são da Economática e se referem a 229 companhias de capital aberto, com patrimônio líquido acima de R$ 150 milhões.

A diferença de R$ 6 bilhões, no entanto, ainda não parece ser suficiente para estimular as companhias locais a reduzir a posição de liquidez, conforme executivos ouvidos pelo Valor. Nem mesmo entre aquelas que possuem mais dinheiro em caixa do que dívida e em que o resultado financeiro tem peso relevante no lucro.

Um motivo para isso é o receio com o cenário externo, que ainda provoca cautela. O custo de manter dinheiro disponível mesmo com rentabilidade menor seria equivalente ao de um seguro para o clima de incerteza.

Pesa ainda a dúvida sobre quão estrutural é o movimento de baixa dos juros, já que as previsões de mercado sugerem que a Selic voltará a subir em 2013, ou mesmo no fim deste ano.

Existe ainda o entendimento de que, embora os juros estejam em queda, uma taxa próxima de 9% ainda é bastante alta, principalmente em comparação com a de outros países.

Se houvesse confiança total de que a Selic baixa veio para ficar - e se a demanda de mercado já desse sinais mais claros de forte retomada -, isso poderia estimular novos investimentos.

Mas a percepção é que o movimento de baixa dos juros até agora não basta para as empresas mudarem os planos. Os investimentos já anunciados estão mantidos, é claro. Por exemplo, a Petrobras, dona da maior posição de caixa total no Brasil, com R$ 52 bilhões disponíveis, manterá a meta de investimento já anunciada de R$ 87,5 bilhões para o ano.

Mas a ação do Banco Central ainda não leva a uma retirada de projetos da gaveta. Os empresários estão como São Tomé e preferem esperar para ver o resultado do afrouxamento monetário no consumo antes de esvaziar os cofres.

"É preciso analisar se a queda da Selic faz alguma diferença para estimular a economia no médio e longo prazo. A indústria não se move porque o juro cai um ponto. Esse é o horizonte do mercado financeiro", diz Francisco Schmitt, diretor de relações com investidores da fabricante de calçados Grendene, que tinha caixa líquido de R$ 804 milhões em dezembro.

Ele lembra que a empresa tem capacidade de produzir 200 milhões de pares por ano, mas só fabricou 150 milhões em 2011, o que significa que, por ora, ela pode crescer sem investir.

A BM&FBovespa, que possuía R$ 1,1 bilhão em caixa líquido ao fim de 2011, também não pretende mudar os planos por causa da queda dos juros. "Nosso programa de investimento de R$ 1 bilhão em quatro anos, entre 2010 e 2013, já está definido. Não vai ser afetado por variações de curto prazo na taxa Selic. Nem para baixo nem para cima", diz Eduardo Refinetti Guardia, diretor-executivo corporativo, financeiro e de relações com investidores da bolsa.

Ele reconhece que a Selic menor reduzirá o resultado financeiro, que foi positivo em R$ 280 milhões em 2011, diante do lucro líquido de R$ 1,05 bilhão da bolsa no período. "Mas para o país é bom que caia. Vai ter mais crescimento e todos se beneficiam com isso."

No Brasil, o saldo em caixa representa 11% do total de ativos das empresas de capital aberto, bem acima do índice visto nos Estados Unidos, por exemplo, que está próximo de 6% agora e é o mais alto em seis décadas. O assunto foi tema do post "A política de retenção de caixa e a teoria sobre dividendos", de 6 de fevereiro, do blog "O Estrategista", do Portal Valor.

Na teoria, quanto menor a taxa de juros das aplicações financeiras, menor a parcela de dinheiro em caixa. Isso porque, também na teoria, os acionistas aportam dinheiro em uma empresa para que ela produza e dê retorno superior ao que eles teriam se deixassem o dinheiro no banco - e pagando imposto menor.

Assim, as empresas deveriam usar o excesso de caixa para aplicar no próprio negócio ou devolvê-lo aos acionistas por meio de dividendos, recompra de ações ou redução do capital.

Quando a remuneração da aplicação financeira é elevada, a pressão dos acionistas para que a empresa se decida sobre o que fazer com o dinheiro disponível não é tão grande. Mas quando os juros bancários começam a cair a questão fica latente.

Uma taxa de juros menor também teria o condão de tornar mais projetos atrativos para os empresários. A explicação é simples. Quando decide se vai construir uma fábrica nova ou adquirir uma concorrente, a empresa faz contas para saber se o retorno daquela decisão de investimento vai superar seu custo de capital, que de alguma forma sempre está ligado à taxa básica de juros do país em que está localizada.

Quando menor a Selic, maior o número de projetos de investimento que passa a ter retorno superior ao custo de capital. Para isso, no entanto, "é preciso que os empresários confiem que o juro ficará menor de forma sustentada no longo prazo", lembra o diretor da Grendene.

Entre as companhias abertas do país, a Ambev é a empresa que possui a maior posição líquida de caixa, ou seja, é a líder entre aquelas que têm mais dinheiro disponível do que dívida a pagar.

São R$ 8,2 bilhões em aplicações financeiras, em comparação a uma dívida bruta de R$ 4,1 bilhões. O saldo de caixa líquido, portanto, também é de R$ 4,1 bilhões.

Do total disponível, R$ 5 bilhões já têm destino certo. Metade vai para o pagamento de dividendos aos acionistas agora em abril e os outros R$ 2,5 bilhões devem ser usados em investimento para ampliação de fábricas e armazéns e em informática, segundo Nelson Jamel, vice-presidente financeiro e de relação com investidores da Ambev.

Mesmo com esses gastos, o endividamento da companhia ainda ficará bastante reduzido. Segundo Jamel, a empresa pretende manter "um pouquinho mais esse colchão de liquidez, dadas as incertezas do mercado". Por Daniele Madureira
Fonte Valoreconomico14/03/2012

14 março 2012



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