14 março 2012

Armadilhas comuns na avaliação de empresas

As ferramentas mais utilizadas na abordagem fundamentalista são o fluxo de caixa descontado (FCD) e a análise por múltiplos (P/L, FV/EBITDA, P/VPA). No dia 23 de fevereiro, publiquei um post tratando dos cuidados a serem tomados na aplicação do FCD. Esse artigo, além de continuar falando do FCD, comenta os riscos na utilização dos múltiplos.

Apesar de ser o principal instrumento da análise fundamentalista, o uso do FCD requer cautela.

O método consiste em trazer a valor presente, mediante uma taxa de desconto, o fluxo de caixa futuro da companhia. Deduzindo-se a dívida líquida (dívida bruta menos o caixa) desse valor presente, obtém-se o valor justo da companhia.

No primeiro post, comentei os cuidados a serem tomados com o cálculo da taxa de desconto e o valor na perpetuidade. Além disso, ressaltei a importância de se atentar para as informações fornecidas pela companhia a fim de evitar inconsistências – como, por exemplo, um crescimento de receita sem uma contrapartida de investimentos ou sem aumento de despesas com pessoal.

Ainda falando do cálculo da taxa de desconto, um dos seus componentes é a taxa livre de risco. É muito comum analistas adotarem uma média histórica. Contudo o correto é utilizar a atual taxa livre de risco. Pense no caso do Brasil. O risco país que afeta essa variável apresentou queda substancial a partir de 2003. Caso se adote a taxa livre de risco histórica, estaremos sendo conservadores e, com isso, reduzindo o valor justo da companhia.

Outro ponto de destaque: a taxa de desconto é calculada adotando-se o custo médio ponderado de capital da companhia. Para isso é importante conhecer a estrutura de capital da empresa, ou seja, quanto do financiamento vem do capital de terceiros e quanto de capital próprio, bem como o custo financeiro de cada parcela. Aqui dois pontos devem ser observados:

(i) para calcular a proporção entre capital próprio e de terceiros, deve-se obter o valor de mercado de cada parcela. Assim o capital próprio deve refletir o valor de mercado (preço da ação multiplicado pela base acionária total) e não o patrimônio líquido da companhia e
(ii) como a estrutura de capital varia ao longo do tempo, a taxa de desconto não pode ser constante por todo o período do fluxo.

Companhias com diversas unidades de negócios merecem tratamento especial. Suas unidades de negócios devem ser valoradas adotando-se diferentes taxas de desconto de forma a refletir o risco diferenciado entre cada ativo.

Estoques também devem ter uma atenção particular. Em regra, quando o ativo patrimonial aumenta, a necessidade de capital de giro também cresce o que reduz o valor da companhia. Todavia se o estoque possuir liquidez suficiente, como ocorre com algumas commodities, ele deve ser equiparado ao caixa, diminuindo a dívida bruta. Caso contrário, estaríamos reduzindo o valor da empresa.

Tratando de múltiplos - Quando uma empresa faz uma aquisição, é comum o analista mostrar os múltiplos de aquisições mais recentes de forma a compará-los com o investimento atual. Assim, pode-se dizer se a aquisição foi feita por um valor justo ou não. Aqui três cuidados devem ser tomados:
(i) é importante perceber se a aquisição ocorreu em períodos próximos. Uma negociação ocorrida no meio da crise de 2008, por exemplo, não pode ser comparada com uma compra feita em um momento de mercado mais estável;
(ii) caso haja muita dispersão entre os múltiplos, a mediana ou a média tem pouca relevância e
(iii) é importante que as companhias sejam comparáveis.

Pelo seu interesse e importância, retomarei ao tema em outras ocasiões.

Por Andre Rocha do blog oestrategista
Fonte:valor14/03/2012

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23/02/2012 Postado por: André Rocha Seção: Análise de ações

Armadilhas comuns do fluxo de caixa descontado – parte I
Ao ler os artigos do economista Delfim Netto, no Valor, e suas críticas ao cálculo do PIB potencial, vejo similaridades com as fragilidades de um dos principais instrumentos da análise fundamentalista – o fluxo de caixa descontado.

Apesar de ser importante na avaliação de uma empresa, os resultados derivados da metodologia do fluxo de caixa descontado devem ser utilizados com cuidado. Em 2003, recebi via e-mail o estudo “80 common and uncommon errors in company valuation” do Professor Pablo Fernández, da University of Navarra. O sugestivo título demonstra o desafio na avaliação de uma companhia. Destrinchar os meandros da metodologia não é tarefa para um único post.

O método do fluxo de caixa descontado consiste em trazer a valor presente, mediante uma taxa de desconto, o fluxo de caixa futuro da companhia. A confusão começa pela taxa de desconto utilizada, pois seu cálculo comporta algumas subjetividades. A taxa depende de algumas variáveis. Qual o beta da ação? E a taxa livre de risco? E o prêmio sobre a taxa livre de risco que os investidores desejam obter? Não são perguntas triviais.

Outro ponto nevrálgico da metodologia é o valor residual ou valor na perpetuidade. O que é isso? Em regra, o analista faz a projeção do fluxo de caixa para um determinado período - cinco ou dez anos. Só que a companhia não se extinguirá nesse curto espaço de tempo (ou pelo menos assim se espera). E como se obter o valor da companhia nos demais anos? Para isso, calcula-se o valor na perpetuidade, tomando-se por base o fluxo de caixa do último ano projetado e uma taxa de crescimento desse fluxo a partir daí, conhecido com “g”. Quanto maior o “g”, maior será o valor da empresa. O valor justo da companhia é muito sensível ao “g” utilizado, logo é importante ser conservador nessa variável. Outro cuidado: o investimento projetado para o último ano do fluxo não pode ser inferior à taxa de depreciação sob o risco de a companhia não repor nem ao menos os ativos fixos existentes. O investimento pode ser inferior à depreciação em alguns anos, mas não indefinidamente.

É bom sempre se ter em mente que o valor da empresa refletirá os dados colocados no modelo. Assim muito cuidado com as informações fornecidas pelos administradores, pois eles são os principais interessados em que a análise indique um valor justo maior. Se as projeções indicam um crescimento acentuado da receita, é importante perceber se há uma contrapartida de investimentos e de crescimento do pessoal, por exemplo. Incremento do faturamento sem investimentos só ocorre se a companhia tiver capacidade ociosa.

Vejo o método do fluxo de caixa descontado mais como uma ferramenta para entender a dinâmica da companhia do que para fornecer o valor final e definitivo da empresa e da ação. Por seu intermédio se consegue observar quanto o lucro cai ao subirmos o preço de um insumo ou quanto o faturamento é influenciado pelo câmbio, por exemplo.

O tema é extenso. Em outras oportunidades, voltarei a matéria.

14 março 2012



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