03 fevereiro 2012

Olho clínico nas contas

A empresa de laboratórios de diagnóstico Fleury deve aumentar em breve a reserva de recursos que faz para cobrir atrasos e inadimplência de clientes. A expectativa é de analistas de mercado ouvidos pelo Valor, que apostam que um ajuste será feito já no balanço do quarto trimestre ou a partir do início deste ano. A empresa não confirma.

Os grandes laboratórios do país registram grande atraso no pagamento realizado pelos planos de saúde para os serviços prestados. Apesar de o problema atingir todo o setor, a avaliação é que as duas empresas de capital aberto - Fleury e Dasa - têm políticas de provisões bastante diferentes.

Ao fim de setembro, as provisões do Fleury cobriam apenas 36% dos pagamentos atrasados há mais de 120 dias, conforme dados das notas explicativas do balanço. Na principal concorrente, a Dasa, o índice de cobertura era de 81%.










Os números refletem a diferença na política de provisões das empresas. Enquanto a Dasa usa o critério do tempo de atraso, o Fleury calcula o risco de inadimplência com base no histórico de pagamentos das empresas.

Sem negar nem confirmar a realização do ajuste, o Fleury disse, por meio de nota, que "o patamar da provisão para devedores duvidosos (...) indica a qualidade dos seus recebíveis e representa a avaliação histórica e detalhada que realiza permanentemente na sua carteira de clientes". A empresa acrescentou que suas política de provisões são auditadas trimestralmente pela PwC e validadas pelo conselho de administração.

Se quisesse alcançar o mesmo nível de cobertura praticado pela Dasa - que tem ficado acima de 80% desde 2009, quando a gestão da empresa passou para as mãos de fundos de investimentos -, o Fleury teria de aumentar as provisões para inadimplência em cerca de R$ 45 milhões, usando como base os dados de setembro. Naquela data, a empresa tinha uma carteira vencida há mais de 120 dias de R$ 104,3 milhões e provisões de R$ 37,6 milhões.

Olhando os dados históricos, nota-se que, no setor de laboratórios, não é uma tarefa fácil transformar receita em caixa. Embora o cenário já tenha sido pior no passado, de cada R$ 100 que o Fleury tinha para receber em setembro, R$ 44 estavam atrasados. Na Dasa, o índice de atrasos era de 31%.

Do total de recebíveis, 27,6% estavam atrasados há mais de 120 dias no Fleury, enquanto a taxa era de 15,4% na Dasa.

Apesar da repetição dos atrasos, a parcela efetivamente baixada para prejuízo acaba sendo bem menor, com peso de 4% a 5% da receita anual das empresas.

Uma peculiaridade do setor explica em parte porque os laboratórios demoram tanto para receber de seus clientes.

Uma parte relevante dos atrasos, ou mesmo do "cancelamento" do pagamento, se deve à discussão entre os laboratórios e seus clientes, operadoras de planos de saúde e seguradoras, sobre o direito de cobrança a respeito de determinados exames realizados.

Assim, questionamentos sobre a documentação apresentada pelos laboratórios - o que envolve guias, prescrições, autorizações prévias e informações sobre os segurados - provocam os atrasos.

Não existem informações precisas, mas cerca de metade dos atrasos, e um percentual ainda maior no caso das baixas efetivas para prejuízo, está ligada à "anulação" dos recebíveis que os clientes entendem que não devem pagar por problemas na documentação. No jargão do mercado, isso é chamado de "glosa".

Segundo um analista, a Dasa está mais avançada que o Fleury na renegociação dessas negações de pagamento, tendo uma área especializada na cobrança. Ainda segundo ele, a Dasa começou a comprar laboratórios menores antes que o rival. Assim, diz ele, o Fleury ainda "passa por fase de aprendizado para lidar com fontes pagadoras de menor qualidade, em praças menos organizadas que o mercado de São Paulo".

Outro analista diz que falhas técnicas na comunicação entre os laboratórios e algumas seguradoras e planos dão origem a uma bola de neve que resulta nos atrasos. Começa quando o laboratório não consegue de imediato a autorização para o exame, mas o faz mesmo assim com intuito de regularizar a situação depois. Um prato cheio para as seguradoras, principalmente as que estão com alta taxa de sinistralidade, postergarem o pagamento indefinidamente.

O Valor procurou grandes empresas da área de saúde e questionou sobre atrasos nos pagamentos aos laboratórios. A Amil disse, em nota, "que não possui pagamento em atraso junto aos fornecedores".

A SulAmérica afirmou que "desconhece qualquer reclamação nesse sentido e esclarece que possui e cumpre os prazos combinados com todos os seus prestadores de serviço". A Unimed Brasil e a Bradesco Seguros não responderam. A Dasa não deu entrevista. Por Fernando Torres e Marina Falcão
Fonte:ValorEconômico03/02/2012

03 fevereiro 2012



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