25 julho 2011

Espanhóis promovem uma terceira 'invasão'

Depois das privatizações da chegada de fornecedores na década de 90, agora é a vez das pequenas empresas

Passageiro assíduo da rota São Paulo-Madri há um ano, o espanhol Javíer Loizaga passou a programar suas viagens com antecedência de ao menos dois meses. O presidente do fundo de private equity Mercapital, que ganhou endereço em São Paulo em 2010, nota que o overbooking é causado pela intensa presença de seus conterrâneos nos voos. Não se trata de turistas, mas empresários em busca de oportunidades de negócios no Brasil.

O país recebe uma nova leva de investimentos espanhóis, em boa parte de empresas de menor porte. Dados do Banco Central mostram que o Investimento Estrangeiro Direto (IED) da Espanha no Brasil já soma US$4,8 bilhões nos cinco primeiros meses de 2011, superando todo o ano passado. Apesar da suspeita do uso do IED para driblar a taxação de IOF em outras aplicações, é o maior volume desde 2000, quando o espanhol Santander comprou o Banespa. Após a vinda de grandes grupos nas privatizações, no fim dos 90, houve uma segunda onda de investimentos espanhóis — a de fornecedores para as empresas que tinham sido privatizadas. Agora, trata-se da terceira onda, só que de pequenas e médias empresas espanholas.

Crise forçou empresas menores a cruzar fronteira

Focadas no mercado doméstico nos últimos 20 anos, elas se viram forçadas a se internacionalizar diante da crise na Europa. A afinidade cultural e o bom momento da economia tornam o Brasil o novo eldorado das companhias espanholas. A Rio Negócios, agência carioca de promoção de investimento, recebeu nos últimos meses 25 empresas daquele país. Segundo a Câmara Espanhola de Comércio no Brasil, de 2009 para 2010, as consultas de grupos interessados no pais saltaram de 40 para mil. Atualmente, 33% do investimento espanhol na América Latina são destinados ao Brasil, diz o presidente da Câmara e da Telefônica, António Valente. Entre as maiores oportunidades, ele cita a demanda por projetos de infraestrutura na esteira de eventos como Copa e Olimpíadas, programas de construção de casas populares, usinas e empreendimentos imobiliários.

— Vivemos a "terceira onda" de investimento da Espanha. Chegou a vez das pequenas e médias ligadas a serviços, tecnologia, construção civil, turismo e infraestrutura — diz Valente.

É o caso da holding de infraestrutura Activa, nascida da união dos grupos Obras Especiales e Moyua para explorar mercados como Brasil, Peru, México e Colômbia. Juntos, eles faturam 400 milhões, mas até pouco tempo nunca tinham extrapolado os limites do País Basco. Em outubro passado, a Activa fundou a filial brasileira sob o comando de Eduardo Missaka, ex-Camargo Corrêa. O foco será obras de saneamento, marítimas, industriais e edificações. Missaka negocia parcerias para participar de licitações públicas. No setor privado, já fez propostas a Usiminas, Vale e Infraero. A meta é faturar 40 milhões a partir do quinto ano de operação.

A fabricante espanhola de soluções pré-moldadas em concreto Lekunbide começou a estudar o mercado brasileiro em 2010. Morando no Brasil há 15 anos, o português Paulo Feio toca a operação, que incluirá a construção de uma fábrica em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio. O investimento de R$12 milhões possibilitará a construção de duas casas por dia, a partir de 201 2. O público-alvo são incorporadoras voltadas ao segmento económico. Segundo Feio, a primeira opção estudada foi o Leste da Europa, mas o Brasil surgiu como alternativa quando a situação econômica começou a piorar. Lá fora, a Lekunbide fatura cerca de 12 milhões. A Lekunbide aposta que o Brasil representará 70% de seus ganhos em breve. A empresa foi uma das que buscaram orientação da Rio Negócios.

— Elas não têm a mesma estrutura jurídica e de crédito das grandes. Queremos ajudar a promover seu namoro com as brasileiras — diz o presidente da agência, Marcelo Haddad.

Importador de produtos têxteis na Europa por mais de uma década, o português Paulo Fidalgo sucumbiu à concorrência chinesa. Em 2010, começou a buscar alternativas e veio para o Brasil como master franqueado da espanhola Publipan. O conceito é simples: a empresa usa as embalagens do popular pão francês como suporte para anúncios publicitários. Desde janeiro já foram abertas 110 franquias no Brasil, que já é a maior operação depois da Espanha. Fidalgo conta que muitos franqueados da matriz desistiram do negócio após o agravamento da crise:

— O investimento em publicidade é o primeiro a ser cortado em momentos de crise.

A Publipan Brasil investiu R$300 mil para começar, mas já estuda montar uma gráfica com um sócio local, projeto de R$2 milhões. A produção terceirizada de sacos de pão deve saltar de um milhão para três milhões de unidades até o fim do ano. As franquias podem ir a 200, quatro vezes mais que esperado.

Com 25 anos de atuação na Espanha, o fundo Mercapital veio para o Brasil no ano passado para ajudar médias empresas espanholas e portuguesas a encontrar parceiros e oportunidades de investimento. O escritório de São Paulo foi o primeiro do grupo fora da Espanha, mas a meta é abrir bases menores em outros países da América Latina. Do 1 bilhão captado em 2007, ainda restam 350 milhões. Presidente do fundo, Javier Loizaga diz que a busca por seus recursos tem superado as expectativas e já estuda nova captação, em dois anos. O perfil é de empresas com faturamento anual entre 50 milhões e 200 milhões, muitas familiares e de setores como saúde, consumo e infraestrutura. A carteira do Mercapital soma 12 empresas e a expectativa é de que os primeiros negócios saiam nos próximos meses. O modelo de internacionalização da Mercapital impõe como condição a sociedade com um parceiro local, considerada fundamental para o sucesso da empreitada.

— As espanholas querem sair da Europa pela falta de perspectiva. Quando a economia interna estava aquecida, nos anos 80 e 90, nossas pequenas e médias não olharam para outros mercados. Espero que as brasileiras não cometam o mesmo erro — alerta Loizaga.

Espanhóis estranham burocracia brasileira

A saga dos europeus rumo ao Brasil, porém, não é um mar de rosas. Os empresários se ressentem da alta carga tributária, da burocracia local, das altas taxas de juros nos financiamentos bancários e da intrincada legislação trabalhista. A dificuldade em entender o modus operandi tupiniquim cria um novo mercado para escritórios de advocacia e consultorias locais. Acreditando que o movimento não é passageiro, o Veirano Advogados montou uma área especifica para atender clientes espanhóis. Responsável pelo projeto, o sócio Eduardo Soto conta que a nova área já auxilia cinco clientes a captar recursos e negociar fusões e aquisições. Presidente da espanhola Taurus, dona da marca de eletrodomésticos Mallory no Brasil, Ànge! Riudalbàs recomenda que seus conterrâneos estudem a legislação local e a logística mais detalhadamente, já que o país tem dimensões continentais. O Brasil receberá a maior parte do investimento da Taurus em países emergentes até 2013, de US$30 milhões.
Fonte:OGlobo25/07/2011

25 julho 2011



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